quarta-feira, novembro 17, 2010

Drogas e Adolescência - Carta na Escola - Novembro/2010.

A edição 51 (nov/10) da revista Carta na Escola apresenta entrevista com o prof. Dartiu Xavier sobre drogas e adolescência. Vale a pena a leitura na íntegra. Reproduzo, aqui, uma reflexão importantíssima sobre como as drogas estão intimamente ligadas aos valores que transmitimos aos jovens.

Certa vez, eu fazia uma palestra sobre drogas numa escola e discutia aspectos sociais e antropológicos da questão. Existe uma coisa na nossa sociedade que é o hedonismo, o culto ao prazer, à beleza, ao sucesso. Esse é o modelo que transmitimos a nossos filhos. Todos os pais esperam que os filhos sejam ricos, maravilhosos, inteligentes, etc. Não é humano, não é real. A vida não é assim. Provoquei a platéia: o único jeito de o jovem sentir o que a gente espera dele é cheirando cocaína! Por incrível que pareça, é exatamente isso que a intoxicação por cocaína te leva a sentir. É a única forma de os filhos atingirem as expectativs dos pais. É claro que isso eu digo de uma forma provocativa e jocosa, mas é para os pais pensarem um pouco o quanto eles estão conversando com os filhos sobre os fracassos e dificuldades deles. E não ficar apenas em um discurso de cobrança eterna. Tanto que a prevenção nas escolas, com palestras aterrorizantes sobre o perigo das drogas, não funciona.
(...)
O foco mais importante [na prevenção] não é mais evitar a primeira experiência com droga, mas o uso indevido, a dependência. Como se faz isso? Trabalhando a coisas que, aparentemente, não têm nada a ver com droga: autoestima. (...) Se esse adolescente estiver bem consigo mesmo, ele pode até mesmo experimentar drogas sem que necessariamente ele vá ficar dependente. Quem vai se viciar é aquele que está se sentindo o mais feio, o mais burro, o que não arruma namorada, e assim por diante.

Fica então uma provocação para pensarmos que valores estamos passando para as próximas gerações.

domingo, novembro 07, 2010

O chamado imperialismo americano é só Coca-Cola e McDonald's?

A dominação norte-americana para alguns pode se resumir ao consumo de Coca-Cola e McDonald's. Quem dera o motivo do ódio anti-americano se limitasse ao sanduíche e ao refrigerante.
A verdade é que os EUA, na defesa de seus interesses, estiveram por trás de praticamente todos os eventos que aumentaram a desigualdade e violentaram os direitos humanos.
No Brasil, por exemplo, os Estados Unidos estiveram por trás de todos os eventos que tentamos esquecer. Por pressão americana, Jânio Quadros renunciou. É de conhecimento público que os Estados Unidos financiaram o golpe militar de 1964, sob o pretexto de "conter o avanço comunista". John Kennedy, então presidente dos EUA injetou dinheiro na campanha de oito dos onze estados onde houveram eleições no Brasil, além de financiar campanha a 15 candidatos ao senado, 250 parlamentares e mais de quinhentos candidatos às Assembléias Legislativas (1).
Não somente no Brasil, mas o governo americano injeta dinheiro também em Cuba, financiando ações contra o governo cubano. Segundo informações extraídas de artigo da prof. Maria Dirlene Marques, o governo Bush despendeu nada menos que 36 milhões de dólares para financiar a oposição a Cuba, em 2004. Nos anos seguintes, o governo americano libera 24 milhões de dólares para financiar transmissão ilegal de Rádio e TV em Cuba.
O fato é que o imperialismo americano não se limita aos mísseis. A maior dominação se dá em silêncio, nas ideologias que atuam como um câncer na sociedade.

Por dez anos, tem nos sido vendida a idéia de que a qualidade de vida está em dar a alguns o poder de importar batatas fritas, água de coco e leite em pó, computadores ou carros de último tipo vindos do exterior. Nossa geração precisa definir uma qualidade de vida que, no lugar dessas ilusões contemple:
- poder andar nas ruas sem medo de assalto;
- olhar nos olhos dos outros brasileiros sem medo, como se fossem estrangeiros invasores;
- saber que o futuro de nossos filhos será melhor do que o nosso presente;
- ter uma economia que cresça gerando empregos;
- fazer com que nossas estradas não sejam guilhotinas que nos matem em acidentes, ou cadeias que nos aprisionem em seus engarrafamentos;

BUARQUE, Cristovam. A Segunda Abolição. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

sexta-feira, novembro 05, 2010

Artigo: Uma visão sobre Cuba
Por Maria Dirlene Trindade Marques (*)
01 de Abril de 2008

HavanaCapitolioLets

Participei de um grupo de mineiros que esteve em Cuba do dia 20 de janeiro a 5 de fevereiro de 2008, nas Brigadas de Solidariedade. A carta renúncia de Fidel e os comentários da imprensa e das diversas pessoas que encontro, me levaram a escrever este texto, considerando o que vivi, vi, ouvi, observei e estudei. Influenciadas (os) pela intensa propaganda na imprensa, fomos a Cuba procurando a miséria e a ditadura. E, no nosso subconsciente, o povo deveria ser muito passivo e muito bronco, para manter uma ditadura de 49 anos. E o que encontramos?

Tivemos um choque pois encontramos um povo com um nível cultural bem acima da media do povo brasileiro. Tivemos liberdade de ir e vir, de bisbilhotar, entrar em todos os lugares e de conversar com todos. Alias, até de forma muito invasiva, entravamos nas casas, nas escolas infantis, nos muitos museus. Procurávamos crianças e adultos de pés no chão, mendigando, dormindo debaixo de marquises, casas miseráveis. Só então entendemos a verdade do outdoor próximo ao aeroporto: “Esta noite, 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma é cubana”. Outro: “A cada ano, 80 mil crianças morrem vitimas de doenças evitáveis. Nenhuma delas é cubana”. Sabemos que milhares delas são brasileiras, a 8ª economia do mundo.

Chegamos um dia apos o encerramento do processo eleitoral, onde se elegeu o Parlamento, eleição não obrigatória, com 95% de participação. E, para nossa surpresa, ficamos sabendo que o Partido Comunista Cubano não é uma organização eleitoral e portanto não se apresenta nas eleições e nem postula candidatos. Os candidatos são tirados diretamente, em assembléias publicas nas diversas formas de organizações existentes: do bairro, das mulheres, jovens, estudantes, campesinas. Que depois vão se reunindo por região, estado e finalmente, no nível nacional. Estes representantes nacionais, elegem o presidente e o vice. Todos os representantes podem ser destituíveis, a qualquer momento, pelas suas bases, caso não estejam respondendo ao projeto de sua eleição. E vimos como 46% dos eleitos são mulheres (e no Brasil conseguimos as cotas de 30% para concorrer!!). As estruturas de funcionamento são mais próximas de uma democracia direta. Parece-me um contra-senso chamar este processo de ditadura. Seguramente, é diferente da democracia burguesa, onde apos colocar o voto na urna finda a obrigação do eleitor. Os críticos valem-se da mágica de que “o que é bom para os EUA é bom para o resto do mundo”.

Tentando entender o que víamos - pouca riqueza material, um povo simples e culto, simpático e sem stress - procuramos estatísticas: alfabetização de 99,8% (no Brasil 86,30%) e que de 1959 a 2007, a quantidade de escolas passou de 7.679 a 12.717, os professores passaram de 22.800 para 258.000, com uma população em torno de 11 milhões de habitantes sendo o pais com o maior índice de professores por habitante do mundo. No IDH 2007 da ONU, o Brasil comemorou o fato de figurar em 70º lugar. Cuba figura em 51º lugar. O país conta com 70.594 médicos para uma população de 11,2 milhões (1 médico para 160 habitantes); índice de mortalidade infantil de 5,3 para cada 1.000 nascidos vivos (nos EUA são 7 e, no Brasil, 27); 67 universidades gratuitas. Dados da Unesco em 2002 mostram que 98% das residências cubanas possuíam instalações sanitárias adequadas (contra 75% no Brasil). Dados da CIA, central de inteligência americana, estimava em 1,9% o desemprego em Cuba; no Brasil era de 9,6% no ano de 2007. E que, a expectativa de vida ao nascer na ilha era de 77,41 anos e no Brasil era de 71,9 anos.

Esses são alguns números que encontramos, a despeito de ser uma pequenina ilha, ao alcance de um tiro de canhão disparado de Miami, que resistiu a uma tentativa de invasão norte-americana (Baía dos Porcos, 1961) e a várias outras de assassinato de Fidel Castro e ações terroristas orquestradas pela CIA, ter um bloqueio econômico e político apenas rompido por países com autonomia como Venezuela, Bolívia, China e alguns paises da Europa.

Continuamos procurando outros sinais de desmandos: e os presos políticos?

De fato, há pessoas detidas mas não pelo que pensam, mas pelo que fazem, como o de organizar grupos financiados pela embaixada dos EUA. Fora isso, todas as personalidades importantes da dissidência estão em liberdade, mantendo suas atividades políticas como Martha Beatriz Roque, Vladimiro Roca e Oswaldo Paya. É importante ressaltar que Cuba sofreu intensamente com o terrorismo nos últimos 40 anos, perfazendo mais de 3500 mortos. Documentos oficiais dos EUA confirmam o financiamento de cubanos exilados para promover ações contra o governo cubano. O museu na Praia Giron (ou Baía dos Porcos) é um monumento de denúncia das ações terroristas, iniciadas desde 1961 com o rompimento das relações diplomáticas e a instauração do bloqueio econômico. Alguns dados: em 1963 o democrata Kennedy aprova o plano de manter todas as pressões possíveis com o fim de perpetrar um golpe de Estado, obrigando Fidel Castro a viver como nômade. Nos anos 90, a Lei Torricelli reforça o bloqueio econômico (seção 1705): “Os Estados Unidos proporcionarão assistência governamental adequada para apoiar a indivíduos e organizações não governamentais que promovam uma mudança democrática não violenta em Cuba”. Esta lei vai ser reforçada na administração de Clinton, pela lei Helms-Burton: “O presidente dos EUA está autorizado a proporcionar assistência e oferecer todo tipo de apoio a indivíduos e organizações não governamentais independentes com vistas a construir uma democracia em Cuba”. O governo Bush não podia ficar atrás e, em 2004 aprovou um financiamento de 36 milhões de dólares para financiar a oposição a Cuba, em 2005 mais 14,4 milhões de dólares, em 2006 mais 31 milhões de dólares alem de 24 milhões de dólares para a Radio e TV Marti, transmitida dos EUA para Cuba neste caso, infringindo a legislação internacional que proíbe este tipo de transmissão. Querem impor a Cuba a democracia (sic) que estão implantando no Iraque.

Com o nosso olhar de turistas de classe média, nos chocavam alguns problemas da vida cotidiana como habitações modestas, transporte publico precário, limitações econômicas para se ter papel higiênico (e pensávamos, pobrezinho dos cubanos). Estas são carências verdadeiras, alem de várias outras apresentadas pelo secretario do partido comunista, em uma palestra para os brigadistas: o aumento da prostituição, dos pequenos delitos, da corrupção e da desigualdade social. Sabiam dos problemas que poderia acarretar a abertura para o turismo apos o fim da União Soviética e a intensificação do bloqueio, nos anos 90. O investimento no turismo e posteriormente, com a criação da moeda turística, cresce a entrada de divisas, possibilitando um rendimento para os trabalhadores destes setores acima do restante da população, ocasionando o aumento da desigualdade social. Afirma ele que vivem em uma quádrupla ilha: posição geográfica; única nação socialista do Ocidente; órfã de sua parceria com a União Soviética e bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA. Consciente destes novos problemas, buscam construir respostas coletivas. Desencadearam um processo de críticas e sugestões, através das organizações de massa e dos setores profissionais. Ate agora, mais de 1 milhão de sugestões foram recebidas e estão sendo trabalhadas.

Mas, para nos brasileiros de classe media (somos quantos? 5%? 10%) e que não conhecemos a realidade dos 90% do nosso povo, que não tem como pagar um plano de saúde, com educação precária, com pouca alimentação, que fica com os restos do desperdício dos 10%, é difícil entender a lógica econômica de uma sociedade voltada para os 100% da população. E ficamos horrorizados por eles não terem papel higiênico. Mas não nos deixam horrorizados que tenham bibliotecas e livrarias em toda escola e em toda cidadezinha. Ou que tenham acesso à saúde e educação da melhor qualidade, habitação com saneamento e aparelhos eletrodomésticos novos que economizam energia. Ou, que vivam em um pais sem degradação ambiental.

E a busca do conhecimento? E as escolas? Como é possível ver os círculos infantis, crianças de 1 a 4 anos, assentadas ouvindo historias, sem a professora estar gritando, mandando ficarem quietas? E ver os portões destas escolas abertas e as crianças não fugirem? Como é possível não serem stressadas? E conversando com as crianças do pré-escolar e do escolar (5 a 11 anos), ficávamos surpresas com as perguntas cheias de inteligência e informação sobre nosso pais. Como nos permitiam entrar nas salas de aulas, fotografar, bisbilhotar as bibliotecas onde encontrávamos livros de Marx a Lênin, de Jorge Amado, Machado de Assis, a Shakespeare? Imagine isto aqui no Brasil! Ficávamos encantadas. Eu, como professora da UFMG, tida como uma das melhores do Brasil, me encantava com aquelas bibliotecas. E as livrarias? Na pequenina Caimito onde ficava o acampamento, literalmente invadimos uma livraria, comprando tudo quanto e tipo de livro, pela sua qualidade e pelo preço (comprei um livro do Boaventura de Souza Santos por 8 pesos cubanos ( mais ou menos a R$ 0,50), outro do Che Guevara sobre Economia Política de 397 págs. por 22 pesos cubanos, portanto em torno de R$ 1,40.

E o investimento na potencialidade do ser humano não pára aí. O desenvolvimento das artes – dança, pintura, musica, poesia, desportos – é encontrado em cada escola, em cada esquina, em cada cidade.

Tivemos também as frustrações no contato com pessoas, especialmente em Havana, onde impera o espírito da cidade turística, buscando sempre ganhar alguma coisa, passar a perna, apenas diferenciando de nossas cidades turísticas como o Rio de Janeiro pela intensidade dos problemas. É mais ingênuo, meio estilo anos 60. De todo jeito, frustrante. Nos entristeceu encontrar cubanos sonhando em sair da ilha, acreditando por exemplo, que o Brasil é um paraíso, visão que têm através das telenovelas (que todos lá assistem).

É assim, uma sociedade muito diferente que nos estimula e atrai. Alias, nada melhor para expressar isto do que a crônica do Clovis Rossi, o “pop star” se aposenta do dia 20 de fevereiro na FSP, relatando o episodio de um encontro do GATT, com a presença dos chefes de estados, diferentes autoridades mundiais e jornalistas de todo o mundo. Diz ele que o burburinho na sala do encontro e na sala dos jornalistas era enorme, com a atenção dispersa. Quando se anunciou Fidel Castro houve uma grande agitacao, com todos procurando o melhor lugar para assisti-lo e "ao terminar, uma chuva de aplausos, inclusive de seus pares, 101% dos quais não tinham nem nunca tiveram nenhum parentesco e/ou simpatia com o comunismo. Difícil entender o que aconteceu ali".

Para terminar, quero colocar uma idéia desenvolvida na mesa redonda integrada por vários cientistas cubanos e sintetizada pelo jornalista Jesus Rodrigues Diaz, falando sobre o potencial no desenvolvimento do conhecimento quando ele se dá de forma coletiva: “Temos que insistir também que, quando falamos do Potencial Humano criado pela revolução, não nos referimos exclusivamente à quantidade de conhecimentos técnicos incorporados em nossa população. Mais importante ainda é a semeadura de valores éticos, de atitudes ante a vida. Na sociedade do conhecimento faz falta um cidadão com vocação de aprender e de criar, e de levar seus conhecimentos aos demais seres humanos. Os conhecimentos técnicos nos podem dizer como se trabalha, porem são os valores os que nos fazem compreender por que se trabalha e deles tiramos as motivações e as energias para seguir adiante.

Que se passa agora se os conhecimentos se voltem ao fator mais importante da produção, inclusive os bens de capital? Não é difícil de prever. A resposta do capitalismo é a intenção de converter também o conhecimento em Propriedade Privada. Porem, a boa noticia é que isto não vai funcionar. O conhecimento não é igual ao Capital. Está nas pessoas e não se pode facilmente privatizar. O conhecimento requer circulação e intercâmbio amplo. As leis da propriedade intelectual inibem este intercâmbio. O conhecimento é validado pela sua aplicação social, não pela sua venda. "O uso amplo dos produtos do conhecimento é o que os potencializa", termina o jornalista. Esta é a grande limitação do raciocínio capitalista em entender a potencialidade da criação coletiva. Ignoram que a criação humana coletiva tem muito mais possibilidades do que as leituras positivistas do conhecimento.

O maior feito desta pequenina ilha, com um povo cheio de dignidade e coragem, terá sido o de mostrar ao mundo que é possível construir uma sociedade baseada no ser humano e não na mercadoria e na acumulação de capital. E isto ameaça o mundo capitalista, e é rejeitada pela imprensa burguesa e pelos setores médios que querem impor as condições de suas vidas para a totalidade do mundo. Mas, Cuba não esta só. Existe hoje uma rede internacional de solidariedade ocasionada pelos médicos e professores cubanos em mais de 100 países, pela Operação Milagros, pelas brigadas de solidariedade e por todos aqueles que acreditam que Um Outro Mundo é Possível e que lutam pela sua construção.

(*) Professora da UFMG e conselheira do Conselho Federal de Economia

Extraído de:
http://www.cofecon.org.br/index.php?Itemid=99&id=1315&option=com_content&task=view

Uma questão que talvez inquiete quem ainda sonha com distribuição de renda no Brasil é se essa igualdade virá de uma revolução mais ou menos violenta, com desapropriações, derrubada das oligarquias, isto é, se virá com a ditadura do proletariado, ou se decorrerá de uma crescente política voltada para o social.

Em declaração recente, o candidato Plínio de Arruda (PSOL) entende que o governo Lula representa um atraso nas reformas sociais, uma vez que sua política social ameniza a situação dos miseráveis, criando um conformismo que leva à imobilidade. Lula representaria um neoliberalismo disfarçado de causa social, minimizando os problemas, trazendo uma falsa impressão de que as coisas andam bem, desmobilizando as massas e retardando uma possível reação.

A idéia central é que a repressão de um possível governo de direita acordaria o povo do que ele chama de ‘encantamento’ ou ‘hipnose’ causada pelo governo Lula. Trocando em miúdos, quanto pior, melhor.

A idéia seria genial se o brasileiro tivesse uma tradição de lutas, o que não parece muito convincente. O que me surpreende, ou pelo menos não fica muito claro, é que, como é de conhecimento de Plínio, o muro que nos separa de um socialismo não se resume às condições materiais de existência. Plínio não ignora que as oligarquias brasileiras dispõem de um poderoso aparelhamento ideológico. O controle da mídia pelas sete famílias forma e deforma tanto a opinião dos chamados universitários como também faz com que os próprios pobres tenham admiração por um presidente inteligente, que sabe falar bem. A verdade é que o pobre de hoje não quer mudanças, quer ascender. Ele não deseja grandes transformações se vislumbrar uma chance de “subir na vida”. Por isso, não consigo me convencer que um governo de direita seria desastroso o suficiente para dar início a uma reação popular.

Entre a hipnose causada pela imprensa golpista e a hipnose causada pelo programa bolsa-família, fico com a última. Com imenso orgulho e sem nenhum arrependimento votei em Plínio no primeiro turno porque concordo que o atual governo não vai promover nenhuma reforma significativa. Mas acredito que a reação do povo não será desencadeada por um governo desastroso, e sim por uma conscientização que, ao meu ver, só virá por uma educação comprometida. E se o caminho é a educação, ainda acho que o governo atual, aos trancos e barrancos, ainda consegue um resultado menos pior do que o governo anterior. Basta se perguntar qual governo vetou as disciplinas de Filosofia e Sociologia do Ensino Médio e qual governo as tornou obrigatórias na grade curricular. O resultado é risível, entretanto, o gesto é significativo.

E o cenário da eleição foi esse. A mídia reproduzindo as cartilhas do IPES/IBAD. Serra ressuscitando a marcha da “Família com Deus pela Liberdade”. O resultado disso é estarrecedor: “faça um favor a SP: afogue um nordestino”, comenta uma estudante universitária. Isso só convence de que, embora a esquerda não seja a esquerda que desejamos, o terreno é perigoso e não é momento de brincar com a direita.

terça-feira, novembro 02, 2010

Assisti ao filme Tropa de Elite 2. O roteiro é provocante e traduz muito bem para o espectador o chamado "crime organizado", de que todos os jornais mencionam mas que ainda parece algo distante da realidade. O filme mostra fortemente como a corrupção se reflete no cotidiano, e que a favela representa no crime o que as organizações chamam de nível operacional, existindo ainda, um nível tático e, por fim, um nível estratégico, justamente onde entram os colarinhos brancos. Esses são os verdadeiros comandantes do crime, mas precisam do pobre, do favelado, do excluído, porque eles não sairão de seus gabinetes para oferecer drogas nas escolas. Esse trabalho é destinao aos lascados.
Destaco três problemas que o filme me permitiu pensar. Primeiro, a mídia como aparelhamento político. Segundo, o seu papel na formação de opinião, na ideologia, moldando o consciente popular, hipnotizando as pessoas de modo a dar aceitação e legitimidade às mais cruéis injustiças, preconceitos, etc.
Finalmente, mostra que uma vontade boa que não tenha clareza quanto ao sistema nervoso do crime, que não seja capaz de transcender o sensível, sair da caverna e ver as coisas à luz do sol, acaba mais prestando um serviço ao crime do que, de fato, lutando contra ele.
Uma criança ao fazer um lanche em uma modesta casa comenta: "Aqui não falta nada. Lá em casa falta tudo".
Chama a atenção que a criança não usa o verbo ter/não-ter, e sim faltar/não-faltar.

Horas depois, na Band, o programa "A Liga" exibe a extravagância dos ricos brasileiros. No pet shop, existe patê francês para cães que tiveram dias estressantes. Iates, brincos, helicópteros. É assustador ver como tudo isso causa muita inveja e nenhuma indignação. É perturbador se dar conta de como a sociedade fechou os olhos para tamanha injustiça e acha tudo normal. É medonho pensar que desfrutar de tanto requinte não causa vergonha nenhuma e que essas pessoas estão revestidas de toda a proteção que a lei pode dar a elas. Embora os ideais 'liberais' pareçam justos e que esse cotidiano perdulário não transgrida em nada o nosso suntuoso ordenamento jurídico, custa-me acreditar que essas riquezas foram obtidas com justiça e que esses gastos sejam morais. Primeiro porque não há quem fique tão rico sem sangrar um pobre. Além disso, deveríamos nos perguntar que moralidade há em desfrutar de tanto requinte num país onde a maioria vive em completa exclusão social.
O que esperar do governo? o que podemos fazer enquanto sociedade civil para que aquela criança tenha alimentação digna, e que os ricos sintam um mínimo de constrangimento ao permitir que um cão tenha uma alimentação mais saudável que uma criança.

domingo, outubro 24, 2010

Darcy Ribeiro

O Brasil cresceu visivelmente nestes oitenta anos. Cresceu mal, porém. Cresceu como um boi mantido, desde bezerro, dentro de uma jaula de ferro. Nossa jaula são as estruturas sociais medíocres, inscritas na Constituição e nas leis, para compor um país da pobreza na província mais bela da Terra. Se continuarmos sob a vigência destas leis, no Brasil do futuro a maioria da gente nascerá e viverá nas ruas em fome canina e ignorância figadal, enquanto a minoria rica, com medo dos pobres, se recolherá em confortáveis campos de concentração, cercados de arame farpado e eletrificado. Entretanto, é tão fácil nos livrarmos dessas teias, e tão necessário, que dói nossa conivência culposa. Vamos passar o Brasil a limpo, companheiros.

(Extraído de: RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barrancos: como o Brasil deu no que deu. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1986).
Citação obtida em http://informaticacidadania.blogspot.com/2010/08/ditadura-militar-parte-12.html

sexta-feira, outubro 15, 2010

Por que vou votar na Dilma Rousseff

No segundo turno uma coisa é certa: um presidente será escolhido. Esse apelo para o óbvio é para mostrar que não adianta votar nulo para bancar o idealista, o revoltadinho. Idealismo e revolução se faz nas ruas, e não nas urnas.

Para este segundo turno, temos duas candidaturas: Dilma e Serra. No aspecto econômico, os dois são muito semelhantes. Não farão grandes mudanças nas taxas de juros, jogarão o jogo dos empresários e banqueiros e se esforçarão para controlar a inflação.

Temas como aborto, união civil de homossexuais (ou homoafetivos) e legalização das drogas, são irrelevantes agora. Foram temas importantes na hora de escolher os parlamentares, pois é do Congresso Nacional, e não do Planalto, que sai a decisão. Presidente pode tomar a iniciativa ou talvez vetar, mas a palavra final é dos parlamentares que já escolhemos. Então são discussões que, pra mim, ficaram para trás.

No quesito ética, imagino que os dois até podem ter boa vontade, mas é impossível saber o que se passa em toda a extensão da máquina pública. Então o que pesa nesse aspecto é a postura que adotam quando se descobre a corrupção. E nesse ponto, as investigações ocorridas no governo atual pareceram ser mais transparentes e dotadas de mais autonomia do que na era FHC. No governo atual os mecanismos de controle foram fortalecidos e foi criado o portal da transparência. Nada extraordinário, mas muito melhor do que negar, omitir e engavetar os processos.

Apesar de o governo anterior ter seus méritos por alguns avanços, como a estabilidade monetária e a Lei de Responsabilidade Fiscal, foi marcado também pelo neoliberalismo, com a política de enfraquecimento do Estado, privatização de estatais estratégicas e uma abertura perigosa do mercado.

Já o governo atual conseguiu tirar mais pessoas da miséria, deu mais atenção à educação (lembre-se que FHC vetou a inclusão de filosofia e sociologia no Ensino Médio e elas somente retornaram no governo atual) e inegavelmente fez mais concursos públicos, fortalecendo o Estado.

O governo atual teve coragem de negociar com países e, embora não seja uma potência militar e nem econômica, exerce liderança moral. Os Estados Unidos tentam implantar a todo custo a política neoliberal, mas a verdade é que intervêm na economia e oferecem subsídio à sua produção, coisa que somente o governo atual percebeu e teve coragem de denunciar.

No cenário atual, portanto, eu não vejo Dilma e Serra. Vejo PT e PSDB. Vejo de um lado um PT um pouco mais nacionalista, tentando reduzir a pobreza sem mexer com interesses, e de outro lado, um neoliberalismo escancarado e irresponsável do PSDB/DEM (PFL), disposto a sacrificar toda a população em torno de uma ilusão de progresso, que na verdade só trará benefícios a uma elite.

Por isso, meu voto no segundo turno é Dilma.

terça-feira, outubro 12, 2010

Na esquerda, a primeira vez é sempre a última chance...

Sempre que o discurso se desloca um pouco para a esquerda o interlocutor pergunta por Cuba como quem dá o golpe de misericórdia na conversa, como se fosse o xeque-mate. Isso acontece por dois motivos: primeiro porque tem um conceito tipicamente burguês de progresso, isto é, a idéia de que uma sociedade moderna é aquela onde alguns poucos dispõem de todo conforto e todo aparato tecnológico, mesmo que a imensa maioria sobreviva na mais profunda miséria. Então nenhuma diferença faz para o capitalista, que todas as crianças de Cuba estejam na escola, se não existir uma elite gozando do todo o luxo que o dinheiro pode comprar. Para essas mentes, São Paulo é bem sucedida por ter a terceira maior frota de helicópteros do mundo, e simplesmente não importa que o restante da população esteja se amontoando em favelas.

A segunda razão, intimamente ligada com essa noção de progresso, é que, para os liberais, que se auto-denominam detentores exclusivos da democracia, a miséria existente no capitalismo é perfeitamente explicada por algumas variáveis complexas e o mundo inteiro pode se tornar um laboratório para esse regime funesto. Entretanto, se o socialismo “falha” em dois ou três países, é o suficiente para demonstrar que ele não passa de uma utopia retrógrada, violenta e fracassada. Então, o que temos é um hemisfério inteiro passando fome para sustentar um modelo porque a experiência cubana está aí para demonstrar que não se pode sonhar com o contrário.

A miséria existente nas economias liberais representa apenas uma pequena necessidade de “ajustes”. Então os teóricos se encarregam de buscar outras explicações que na sua ótica nada têm a ver com o capitalismo, como a corrupção e baixa escolaridade. Cometem, ao que parece, a falácia da inversão das causas. O fracasso escolar é para eles a causa da desigualdade, e não conseqüência de um modelo em que filhos de ricos vão para uma escola repleta de recursos enquanto filhos de pobres dividem seu tempo entre escolas sucateadas e os semáforos.

Um dos argumentos é de que não adianta Cuba ter uma boa educação se esta não é capaz de transformar a vida das pessoas, de promover o salto necessário para desfrutar dos seus méritos. Resultado disso é que o médico é obrigado a comer da mesma comida que seus pacientes comem e ver seu filho estudando na mesma escola que o filho do gari estuda. Isso sim é um absurdo inaceitável em uma sociedade liberal. Nesse pensamento também se encontra um dos paradigmas mais protegidos pelo capitalismo: o de que deve existir uma recompensa para quem faz a adesão e garante sua inclusão no sistema, isto é, o acesso a um consumo diferenciado. Essa é a ideologia que coloca o liberalismo em perfeita harmonia: é por essa razão que no liberalismo não existe escândalo em usar seu helicóptero para evitar os pedintes de sinais.

E há quem defenda essa lógica.

sábado, outubro 09, 2010

Política externa tucana

No debate presidencial exibido pela Record, a primeira pergunta do candidato tucano José Serra foi dirigida ao socialista Plínio, numa clara provocação à política de Lula.
- Qual sua opinião sobre a política externa do governo Lula?
Prínio respondeu que era uma política megalomaníaca de Lula querer resolver problemas no Haiti, Honduras e Irã. Porque cada país deve saber qual seu lugar na política internacional e que tudo o que o Brasil havia feito foi desfeito imediatamente pelos Estados Unidos.
Empolgado com a resposta, e querendo aproveitar o entusiasmo para continuar os ataques ao presidente Lula, José Serra falou que era ruim para o Brasil manter amizades com países que não respeitam os direitos humanos, e aparecer ao lado de ditaduras como o Irã, que claramente está na corrida para produzir uma bomba nuclear.
Para surpresa ou decepção do tucano, Plínio, em meio a aplausos da platéia incontida, respondeu algo assim:
- Ora, mas nós temos negócios com os Estados Unidos. Quer país para causar mais problemas com direitos humanos que os Estados Unidos? E nós mantemos negócios com eles! Além disso, ninguém deve ter bomba atômica! Mas se os Estados Unidos têm bomba atômica, se Israel tem bomba atômica, porque o Irã não pode ter? é preciso acabar com essa hipocrisia!
Apesar de ter saído das eleições como mais um candidato excêntrico, nenhum expressou com tanta lucidez o pensamento de brasileiros indignados, brasileiros que não partilham desse engodo, dessa ditadura ideológica imposta pelo imperialismo americano e reproduzido pela mídia com ar intelectualismo, forçando a sociedade a acreditar em um maniqueísmo onde, de um lado, representando as forças do bem estão os Estados Unidos e, do outro, o império do mal do oriente.
Segue, sem comentários para a foto, para vergonha nacional e deboche internacional, o que os tucanos chamam de política externa.

sexta-feira, outubro 08, 2010

De toda a estrutura capitalista, nenhuma parece ser tão difícil de derrubar como o entorpecimento que ele causa nas pessoas. E parece também que em nenhum ponto é tão frágil quanto esse. De fato, as crises financeiras se sucedem e um abismo cada vez maior separa os ricos dos pobres dilacerando o meio ambiente e as pessoas, o que gera revolta e indignação, mas o capitalismo nunca é colocado sob suspeita, e continua a ser o “falo” na vida das pessoas. O seu grande triunfo está, portanto, na cegueira e na paralisia a que submete as pessoas.
As instituições conseguiram convencer as pessoas de que o capitalismo é um sistema justo, democrático, e progressista. Justo porque dá igualdade de oportunidade a todos. Não é à toa que chamamos os EUA, arautos do capitalismo, de “terra da oportunidade”. Democrático porque as pessoas vão às urnas escolher seus representantes. Progressista porque usando a meritocracia como bandeira, anunciam uma competição “saudável”, motivadora, que funciona como força motriz do desenvolvimento.
Resultado disso é que o socialismo está sempre associado à preguiça, tirania, e ao atraso. À preguiça porque se todos vão ter espaço, não há razão para o esforço. À tirania porque divulga-se que a repressão e a violências são atributos próprios do comunismo. E ao atraso porque, numa sociedade preguiçosa onde as mentes brilhantes não são de alguma forma recompensadas, não há razão para sair da roça.
Começamos o texto afirmando enfaticamente que a cegueira é a grande arma do capitalismo. Assim afirmamos porque não parece razoável que as pessoas concordem em trabalhar para sustentar os salários megalomaníacos de top models e jogadores de futebol se não existisse uma poderosa estrutura de entorpecimento do trabalhador que o conduz a aceitar esse tipo de situação.
Acontece que o trabalhador não percebe que quando compra aquele tênis em várias prestações, está, na verdade, financiando esses impérios. Ora, nada justifica que um produto que tem baixo custo chegue às prateleiras custando tanto. Tentemos remontar o caminho da exploração.
Primeiro, a matéria prima é obtida ao custo financeiro mais baixo possível. São matérias obtidas da extração e da exploração de riquezas naturais e de pessoas. Daí eu ter usado a expressão custo financeiro, porque é uma questão que custa menos dinheiro ao empresário, mas que tem um alto e irreparável custo para os trabalhadores e para o meio ambiente.
Em seguida, na fase de produção, novamente o trabalhador é explorado, suportando pesadas jornadas de trabalho para sustentar sua família. A baixa educação presta serviço ao capitalismo, no sentido de que provém a este uma reserva de mão de obra, o que se resume nas palavras “se você não quer, existe outro que quer”, obrigando o empregado a se submeter a qualquer condição de trabalho, como única forma de sustentar a família.
Fazem os empresários a população acreditar que o elevado preço final dos produtos se deve aos impostos. Novamente o capitalismo cega as pessoas, que mesmo inseridas nessa perversidade, defendem o regime que os esmaga, e repetem os discursos burgueses, de que os impostos é que atrapalham o desenvolvimento. Assumem o risco de perderem escolas, hospitais e outros serviços públicos se uma redução de impostos lhes abrirem as portas para o consumo.
Mas... um momento... precisamos ver aqui, além dos impostos, o que encarece os produtos. Ora, é claro que os produtos precisam refletir os altos ganhos dos empresários desde a produção até o comércio, passando por inúmeros de atravessadores. E aqui ainda existe embutido o salário milionário que concordamos, sim, concordamos, em pagar para as estrelas. Então vamos encarecer um pouco o produto porque precisamos (o que, no capitalismo, é uma regra) pagar o anunciante da marca e os artistas que aparecerão nos comerciais. E os comerciais são caros, porque é deles que os monopólios televisivos arrecadam os recursos para pagarem salários astronômicos aos apresentadores, atores, produtores de novela, etc. Além disso, o jogador-astro que aparece no comercial do tênis também precisa de salário cada vez maior.
O capitalismo ainda nos obriga a admirar essas pessoas, e a nos identificarmos com elas, mas o grande golpe do capitalismo é fazer isso sem que o trabalhador perceba que está pagando seus altos salários.
Resultado disso é que nós, brasileiros, temos orgulho de terem nascido aqui as modelos mais bem pagas do mundo e também os jogadores de futebol mais bem pagos do mundo. Temos orgulho e admiração por eles, mas odiamos o Estado por causa do salário mínimo vergonhoso! Odiamos o Estado por causa dos impostos esmagadores e juros abusivos! Outro dia ouvi dizer que a gasolina seria muito mais barata se não existisse tantos impostos! Quando se fala em imposto no combustível, facilmente um grupo defende reforma tributária. Mas até hoje nunca vi nenhum desses prejudicados falar em reduzir o preço da soja, do trigo ou do feijão.
Mas porque repudiamos tanto os impostos e ao mesmo tempo aceitamos pagar esses salários às nossas celebridades? Essa é a pergunta que pode minar de vez com o capitalismo.
Revoltamo-nos porque há filas nos hospitais, porque os medicamentos são caros, porque não há creche para as crianças e porque as escolas não são dignas, existindo apenas para manter esse entorpecimento. Mas não causa indignação nenhuma um jogador de futebol, um artista, uma modelo ou um apresentador receber salários de 3 milhões de reais por mês num país em que a maioria da população vive de salário mínimo.
Um sistema assim não pode ser justo, porque concentra toda a renda na mão de poucos. Não é democrático, porque as pessoas vão às urnas, mas não participam da riqueza, não usufruem do próprio trabalho, são excluídas da renda, da comida, da educação e da informação. E, finalmente, não é progressista, porque tem uma visão pobre de modernidade. Pensam que a modernidade é ter uma minoria desfrutando de eletrônicos de ultima geração, transporte luxuoso, mesmo que crianças estejam abandonadas nas ruas. Isso é atraso. A diferença entre ricos e pobres no Brasil chega a ser maior do que a diferença entre o suserano e os vassalos na idade medieval.
Mas o capitalismo um dia vai minar. E não vai ser por um colapso, nem por uma crise financeira mundial. Não é porque vai ser superado e nem por ser modificado por um economista brilhante. Ele vai minar porque os trabalhadores não admirarão mais esses astros que vivem às nossas custas. Porque o cidadão vai se cansar de trabalhar para sustentar esses salários. Porque as grifes e as marcas deixarão de ter mais importância do que a dignidade e a decência. Vai minar e vai cair às ruínas porque os monopólios vão cair. Porque o trabalhador vai deixar de comprar o tênis caro, e o dinheiro do trabalhador vai deixar de ser dissipado para sustentar a excentricidade de uma minoria.
Assim como as pessoas hoje se incomodam com os casacos de pele, com o desmatamento e com a poluição, causará incômodo também pessoas vivendo no luxo às custas dos pobres. Causará incômodo também a concentração da renda.
E, finalmente, quando houver justiça e distribuição de renda, nós nos lembraremos do capitalismo como nos lembramos das cruzadas, da mesma forma como nos lembramos do holocausto, ou do acidente da cápsula de césio em Goiânia.

sábado, julho 03, 2010

NO LLORES POR TI ARGENTINA...


Resultados à parte, é curiosa a tragetória que nosso futebol toma. Pelé, ainda não contente em ser o rei da bola, quer também pousar de intelectual. Um fiasco.
Nossos vizinhos argentinos vibram, provocam, Maradona promete comemorar a vitória peladão e tudo o mais: isso é futebol. Enquanto isso, "nós outros", ao invés entrarmos na brincadeira e cairmos nas provocações dos hermanos com outras provocações, ficamos perdendo tempo censurando, discutindo eruditamente as provocações do debochado técnico argentino, e idolatrando um pseudo-intelectual. Eu diria que não o Brasil, mas a Argentina é o país do futebol.
Futebol é brincadeira, é provocação e emoção. É o Felipão zangado, é Zagallo passando, olho-no-olho, confiança para seu grupo. Futebol se resolve no campo e na arquibancada. É isso.
Hoje, infectados com as etiquetas européias, tenta-se ganhar futebol com palestras de auto-ajuda para milionários, com intelectualismo, e com isso estamos importando também o frio europeu, e ironicamente acusamos os argentinos de quererem ser europeus. Não é irônico isso?
Por que, à semelhança dos argentinos, não importamos a educação européia e fabricamos o futebol em casa?
No mundo globalizado, parece-me que a Argentina faz escolhas melhores que as nossas: educação dos países frios, mas o futebol tropical.

quinta-feira, maio 20, 2010

Video: História das Coisas



Questões propostas:
1. Qual a diferença entre obsolescência planejada e perceptiva?
2. Apresentar um exemplo de publicidade.
3. Como é possível manter os preços baixos?
4. Comente sobre o sistema de consumo.

domingo, março 28, 2010

A justiça foi feita?

Fogos soberbos enfeitam o céu de São Paulo. O casal Nardoni foi condenado à prisão. Nada a contestar, foi a vontade do júri diante das evidências e dos argumentos apresentados.

A condenação é apresentada pela mídia como o manjar da justiça, e a sociedade celebra a condenação como se tudo fosse mudar de agora em diante.
O fato é que centenas de crianças morrem a todo momento de desnutrição ou são condenadas ao trabalho escravo ou à prostituição.
Imagino que não muito distante do palco da justiça, algumas crianças se perguntam, entre uma pedra e outra de crack: "Justiça foi feita?". E se não têm lucidez para se perguntarem, eu pergunto: onde estão esses que fazem passeatas e protestos na hora de pedir uma distribuição de renda mais justa?
Acaso os fogos de artifício os ensurdeceram e já não ouvem mais tantas tripas clamarem?

Será que essas pessoas se perguntam se fazem justiça ao pagarem seus empregados? será que tratam os recursos naturais com justiça? será que tratam seus subordinados com justiça?

Essa reflexão é na verdade um convite a clamar para que se faça justiça também às crianças que não têm escola, que são condenadas ao trabalho escravo, à prostituição ou à marginalidade.

E também justiça com as próprias mãos, condenando os políticos corruptos, que assassinam crianças em massa todos os dias, tirando-lhes os livros, o pão e o futuro.

sexta-feira, março 19, 2010

Deus comporta sentimentos?

O caráter antropomórfico atribuído a Deus constitui, talvez, a maior resistência encontrada pelo cristianismo. De fato, as escrituras apontam o homem como imagem e semelhança do Criador, e, reciprocamente, atribui a Deus características propriamente humanas. Assim, o que temos é uma divindade que vivencia e experimenta os mesmos sentimentos, angústias e aflições que acometem os homens. As escrituras apontam um Deus que ama, alegra-se, entristece-se, ira, dialoga, compadece, muda de opinião, enfim, enfrenta os mesmos sentimentos que os homens.
Ofereceremos algumas razões para se pensar o contrário, posto que uma análise da palavra paixão não pode ser aplicada sem prejuízos ao conceito de divindade, primeiro por uma contradição ontológica e segundo porque fere a noção de liberdade.
O termo paixão deriva do grego páthos, que em termos fundamentais representa o contrário de ação. Dessa forma, se você escreve em um caderno, sua ação é escrever, e a paixão do caderno é ser escrito. Igualmente, quando você agride alguém, sua ação é agredir, e a paixão da pessoa é ser agredida. Os sentimentos são, nesse sentido, paixões da alma, uma vez que somos acometidos por eles, porque os sentimos, como a própria palavra indica, e, portanto, não são ações, sim paixões, uma vez que somos afetados por eles. Não escolhemos amar, nem odiar. Não se marca data para amar alguém, nem se escolhe deixar de amar. Em outras palavras: não está no nosso controle.
Aqui reside o primeiro problema: como pode algo estar fora do controle de Deus? Como um ser onipotente se permite ser afetado por algo?
É necessário ressaltar que não estamos falando de um Deus mau, nem pretendemos tirar virtude alguma de Deus, pelo contrário, retirar a passividade de Deus é engrandecê-lo ainda mais, é exaltá-lo de forma mais plena, é reconhecer que nele não há sombra alguma de fraqueza e nem de privação. A noção de Deus não pode comportar nenhuma fraqueza, a grandeza e a potência de Deus não permite que ele esteja sujeito a nada. Deus é pura afirmação, puro poder. Reconhecer isso é reconhecer de forma mais elevada a sua plenitude. Ao negar as paixões, ao contrário de enfraquecê-lo, afirma-se Deus com mais vigor.
Nosso segundo argumento está no fato de que o conceito de liberdade somente pode comportar a indiferença. Não estamos falando da liberdade de agir, mas da plena liberdade para escolher entre uma coisa e outra, a liberdade fundamental que se exerce no âmbito da consciência. Um exemplo: Se um pai vê o filho refém de um seqüestrador, ele concretamente é livre para pagar ou não o resgate, mas alguém arriscaria dizer que ele é plenamente livre? Em qualquer situação em que um resultado é mais apreciável que outro, em que um resultado é mais desejado que outro, encontramos o mesmo dilema. Em outras palavras, não escolhemos as ações, escolhemos resultados. Não é difícil perceber que não somos livres para realizar a maioria das coisas. Mas se há situações em que somos realmente livres, são aquelas situações em que o resultado é indiferente. Para os estóicos, por exemplo, só é livre a pessoa para quem a saúde não seria mais desejável que a doença. Somente é livre aquele para quem o prazer não é mais importante do que a dor. Nesse sentido, aqueles que realmente conseguiam atingir esse ponto poderiam se afirmar como livres. Como Deus poderia ser livre se fosse tomado de paixões, de fraquezas, de desejos, de paixões? Novamente, ressalte-se que não estamos propondo um Deus monstro, um Deus frio, mas sim um Deus inatingível por natureza, um Deus que se revela em absoluta força, poder e liberdade em sua forma mais plena.
Não estamos com isso tirando o valor das escrituras, mas provocando uma reflexão, apontando para uma interpretação mais figurativa, afinal, um Deus tão grande não pode ser traduzido senão humanamente. É por isso que recorremos aos sentimentos humanos para falarmos de um Deus imensurável, inalcançável pelo pensamento.

quarta-feira, março 10, 2010

A desordem do Progresso

Em nenhum outro país os ricos demonstraram mais ostentação que no Brasil. Apesar disso, os brasileiros ricos são pobres. São pobres porque compram sofisticados automóveis importados, com todos os exagerados equipamentos da modernidade, mas ficam horas engarrafados ao lado dos ônibus de subúrbio. E, às vezes, são assaltados, seqüestrados ou mortos nos sinais de trânsito. Presenteiam belos carros a seus filhos e não voltam a dormir tranqüilos enquanto eles não chegam em casa. Pagam fortunas para construir modernas mansões, desenhadas por arquitetos de renome, e são obrigados a escondê-las atrás de muralhas, como se vivessem nos tempos dos castelos medievais, dependendo de guardas que se revezam em turnos.

Os ricos brasileiros usufruem privadamente tudo o que a riqueza lhes oferece, mas vivem encalacrados na pobreza social. Na sexta-feira, saem de noite para jantar em restaurantes tão caros que os ricos da Europa não conseguiriam freqüentar, mas perdem o apetite diante da pobreza, que ali por perto, arregala os olhos pedindo um pouco de pão; ou são obrigados a ir a restaurantes fechados, cercados e protegidos por policiais privados. Quando terminam de comer escondidos, são obrigados a tomar o carro à porta, trazido por um manobrista, sem o prazer de caminhar pela rua, ir a um cinema ou teatro, depois continuar até um bar para conversar sobre o que viram. Mesmo assim, não é raro que o pobre rico seja assaltado antes de terminar o jantar, ou depois, na estrada a caminho de casa. Felizmente isso nem sempre acontece, mas certamente, a viagem é um susto durante todo o caminho. E, às vezes, o sobressalto continua, mesmo dentro de casa.

Os ricos brasileiros são pobres de tanto medo. Por mais riquezas que acumulem no presente, são pobres na falta de segurança para usufruir o patrimônio no futuro. E vivem no susto permanente diante das incertezas em que os filhos crescerão. Os ricos brasileiros continuam pobres de tanto gastar dinheiro apenas para corrigir os desacertos criados pela desigualdade que suas riquezas provocam: em insegurança e ineficiência.

No lugar de usufruir tudo aquilo com que gastam, uma parte considerável do dinheiro nada adquire, serve apenas para evitar perdas. Por causa da pobreza ao redor, os brasileiros ricos vivem um paradoxo: para ficarem mais ricos têm de perder dinheiro, gastando cada vez mais, apenas para se proteger da realidade hostil e ineficiente. Quando viajam ao exterior, os ricos sabem que no hotel onde se hospedarão serão vistos como assassinos de crianças na Candelária, destruidores da Floresta Amazônica, usurpadores da maior concentração de renda do planeta, portadores de malária, de dengue e de verminoses. São ricos empobrecidos pela vergonha que sentem ao serem vistos pelos olhos estrangeiros.

Na verdade, a maior pobreza dos ricos brasileiros está na incapacidade de verem a riqueza que há nos pobres. Foi esta pobreza de visão que impediu os ricos brasileiros de perceberem, cem anos atrás, a riqueza que havia nos braços dos escravos libertos, se lhes fosse dado direito de trabalhar a imensa quantidade de terra ociosa de que o país dispunha. Se tivessem percebido essa riqueza e libertado a terra junto com os escravos, os ricos brasileiros teriam abolido a pobreza que os acompanha ao longo de mais de um século. Se os latifúndios tivessem sido colocados à disposição dos braços dos ex-escravos, a riqueza criada teria chegado aos ricos de hoje, que viveriam em cidades sem o peso da imigração descontrolada
e com uma população sem miséria.

A pobreza de visão dos ricos impediu também de verem a riqueza que há na cabeça de um povo educado. Ao longo de toda a nossa história, os nossos ricos abandonaram a educação do povo, desviaram os recursos para criar a riqueza que seria só deles, e ficaram pobres: contratam trabalhadores com baixa produtividade, investem em modernos equipamentos e não encontram quem os saiba manejar, vivem rodeados de compatriotas que não sabem ler o mundo ao redor, não sabem mudar o mundo, não sabem construir um novo país que beneficie a todos. Muito mais ricos seriam os ricos se vivessem em uma sociedade onde todos fossem educados.

Para poderem usar os seus caros automóveis, os ricos construíram viadutos, com o dinheiro de colocar água e esgoto nas cidades, achando que, ao comprar água mineral, se protegiam das doenças dos pobres. Esqueceram-se de que precisam desses pobres e não podem contar com eles todos os dias e com toda saúde, porque eles (os pobres) vivem sem água e sem esgoto. Montam modernos hospitais, mas tem dificuldades em evitar infecções porque os pobres trazem de casa os germes que os contaminam. Com a pobreza de achar que poderiam ficar ricos sozinhos, construíram um país doente e vivem no meio da doença.

Há um grave quadro de pobreza entre os ricos brasileiros. E esta pobreza é tão grave, que a maior parte deles não percebe. Por isso, a pobreza de espírito tem sido o maior inspirador das decisões governamentais, das pobres ricas elites brasileiras. Se percebessem a riqueza potencial que há nos braços e nos cérebros dos pobres, os ricos brasileiros poderiam reorientar o modelo de desenvolvimento em direção aos interesses de nossas massas populares. Liberariam a terra para os trabalhadores rurais, realizariam um programa de construção de casas e implantação de redes de água e esgoto, contratariam centenas de milhares de professores e colocariam o povo para produzir para o próprio povo. Esta seria uma decisão que enriqueceria o Brasil inteiro. Os pobres que sairiam da pobreza e os ricos que sairiam da vergonha, da insegurança e da insensatez.

Mas isso é esperar demais. Os ricos são tão pobres que não percebem a triste pobreza em que usufruem suas malditas riquezas.

CRISTOVAM BUARQUE