Na esquerda, a primeira vez é sempre a última chance...
Sempre que o discurso se desloca um pouco para a esquerda o interlocutor pergunta por Cuba como quem dá o golpe de misericórdia na conversa, como se fosse o xeque-mate. Isso acontece por dois motivos: primeiro porque tem um conceito tipicamente burguês de progresso, isto é, a idéia de que uma sociedade moderna é aquela onde alguns poucos dispõem de todo conforto e todo aparato tecnológico, mesmo que a imensa maioria sobreviva na mais profunda miséria. Então nenhuma diferença faz para o capitalista, que todas as crianças de Cuba estejam na escola, se não existir uma elite gozando do todo o luxo que o dinheiro pode comprar. Para essas mentes, São Paulo é bem sucedida por ter a terceira maior frota de helicópteros do mundo, e simplesmente não importa que o restante da população esteja se amontoando em favelas.
A segunda razão, intimamente ligada com essa noção de progresso, é que, para os liberais, que se auto-denominam detentores exclusivos da democracia, a miséria existente no capitalismo é perfeitamente explicada por algumas variáveis complexas e o mundo inteiro pode se tornar um laboratório para esse regime funesto. Entretanto, se o socialismo “falha” em dois ou três países, é o suficiente para demonstrar que ele não passa de uma utopia retrógrada, violenta e fracassada. Então, o que temos é um hemisfério inteiro passando fome para sustentar um modelo porque a experiência cubana está aí para demonstrar que não se pode sonhar com o contrário.
A miséria existente nas economias liberais representa apenas uma pequena necessidade de “ajustes”. Então os teóricos se encarregam de buscar outras explicações que na sua ótica nada têm a ver com o capitalismo, como a corrupção e baixa escolaridade. Cometem, ao que parece, a falácia da inversão das causas. O fracasso escolar é para eles a causa da desigualdade, e não conseqüência de um modelo em que filhos de ricos vão para uma escola repleta de recursos enquanto filhos de pobres dividem seu tempo entre escolas sucateadas e os semáforos.
Um dos argumentos é de que não adianta Cuba ter uma boa educação se esta não é capaz de transformar a vida das pessoas, de promover o salto necessário para desfrutar dos seus méritos. Resultado disso é que o médico é obrigado a comer da mesma comida que seus pacientes comem e ver seu filho estudando na mesma escola que o filho do gari estuda. Isso sim é um absurdo inaceitável em uma sociedade liberal. Nesse pensamento também se encontra um dos paradigmas mais protegidos pelo capitalismo: o de que deve existir uma recompensa para quem faz a adesão e garante sua inclusão no sistema, isto é, o acesso a um consumo diferenciado. Essa é a ideologia que coloca o liberalismo em perfeita harmonia: é por essa razão que no liberalismo não existe escândalo em usar seu helicóptero para evitar os pedintes de sinais.
E há quem defenda essa lógica.
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