quarta-feira, novembro 17, 2010

Drogas e Adolescência - Carta na Escola - Novembro/2010.

A edição 51 (nov/10) da revista Carta na Escola apresenta entrevista com o prof. Dartiu Xavier sobre drogas e adolescência. Vale a pena a leitura na íntegra. Reproduzo, aqui, uma reflexão importantíssima sobre como as drogas estão intimamente ligadas aos valores que transmitimos aos jovens.

Certa vez, eu fazia uma palestra sobre drogas numa escola e discutia aspectos sociais e antropológicos da questão. Existe uma coisa na nossa sociedade que é o hedonismo, o culto ao prazer, à beleza, ao sucesso. Esse é o modelo que transmitimos a nossos filhos. Todos os pais esperam que os filhos sejam ricos, maravilhosos, inteligentes, etc. Não é humano, não é real. A vida não é assim. Provoquei a platéia: o único jeito de o jovem sentir o que a gente espera dele é cheirando cocaína! Por incrível que pareça, é exatamente isso que a intoxicação por cocaína te leva a sentir. É a única forma de os filhos atingirem as expectativs dos pais. É claro que isso eu digo de uma forma provocativa e jocosa, mas é para os pais pensarem um pouco o quanto eles estão conversando com os filhos sobre os fracassos e dificuldades deles. E não ficar apenas em um discurso de cobrança eterna. Tanto que a prevenção nas escolas, com palestras aterrorizantes sobre o perigo das drogas, não funciona.
(...)
O foco mais importante [na prevenção] não é mais evitar a primeira experiência com droga, mas o uso indevido, a dependência. Como se faz isso? Trabalhando a coisas que, aparentemente, não têm nada a ver com droga: autoestima. (...) Se esse adolescente estiver bem consigo mesmo, ele pode até mesmo experimentar drogas sem que necessariamente ele vá ficar dependente. Quem vai se viciar é aquele que está se sentindo o mais feio, o mais burro, o que não arruma namorada, e assim por diante.

Fica então uma provocação para pensarmos que valores estamos passando para as próximas gerações.

domingo, novembro 07, 2010

O chamado imperialismo americano é só Coca-Cola e McDonald's?

A dominação norte-americana para alguns pode se resumir ao consumo de Coca-Cola e McDonald's. Quem dera o motivo do ódio anti-americano se limitasse ao sanduíche e ao refrigerante.
A verdade é que os EUA, na defesa de seus interesses, estiveram por trás de praticamente todos os eventos que aumentaram a desigualdade e violentaram os direitos humanos.
No Brasil, por exemplo, os Estados Unidos estiveram por trás de todos os eventos que tentamos esquecer. Por pressão americana, Jânio Quadros renunciou. É de conhecimento público que os Estados Unidos financiaram o golpe militar de 1964, sob o pretexto de "conter o avanço comunista". John Kennedy, então presidente dos EUA injetou dinheiro na campanha de oito dos onze estados onde houveram eleições no Brasil, além de financiar campanha a 15 candidatos ao senado, 250 parlamentares e mais de quinhentos candidatos às Assembléias Legislativas (1).
Não somente no Brasil, mas o governo americano injeta dinheiro também em Cuba, financiando ações contra o governo cubano. Segundo informações extraídas de artigo da prof. Maria Dirlene Marques, o governo Bush despendeu nada menos que 36 milhões de dólares para financiar a oposição a Cuba, em 2004. Nos anos seguintes, o governo americano libera 24 milhões de dólares para financiar transmissão ilegal de Rádio e TV em Cuba.
O fato é que o imperialismo americano não se limita aos mísseis. A maior dominação se dá em silêncio, nas ideologias que atuam como um câncer na sociedade.

Por dez anos, tem nos sido vendida a idéia de que a qualidade de vida está em dar a alguns o poder de importar batatas fritas, água de coco e leite em pó, computadores ou carros de último tipo vindos do exterior. Nossa geração precisa definir uma qualidade de vida que, no lugar dessas ilusões contemple:
- poder andar nas ruas sem medo de assalto;
- olhar nos olhos dos outros brasileiros sem medo, como se fossem estrangeiros invasores;
- saber que o futuro de nossos filhos será melhor do que o nosso presente;
- ter uma economia que cresça gerando empregos;
- fazer com que nossas estradas não sejam guilhotinas que nos matem em acidentes, ou cadeias que nos aprisionem em seus engarrafamentos;

BUARQUE, Cristovam. A Segunda Abolição. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

sexta-feira, novembro 05, 2010

Artigo: Uma visão sobre Cuba
Por Maria Dirlene Trindade Marques (*)
01 de Abril de 2008

HavanaCapitolioLets

Participei de um grupo de mineiros que esteve em Cuba do dia 20 de janeiro a 5 de fevereiro de 2008, nas Brigadas de Solidariedade. A carta renúncia de Fidel e os comentários da imprensa e das diversas pessoas que encontro, me levaram a escrever este texto, considerando o que vivi, vi, ouvi, observei e estudei. Influenciadas (os) pela intensa propaganda na imprensa, fomos a Cuba procurando a miséria e a ditadura. E, no nosso subconsciente, o povo deveria ser muito passivo e muito bronco, para manter uma ditadura de 49 anos. E o que encontramos?

Tivemos um choque pois encontramos um povo com um nível cultural bem acima da media do povo brasileiro. Tivemos liberdade de ir e vir, de bisbilhotar, entrar em todos os lugares e de conversar com todos. Alias, até de forma muito invasiva, entravamos nas casas, nas escolas infantis, nos muitos museus. Procurávamos crianças e adultos de pés no chão, mendigando, dormindo debaixo de marquises, casas miseráveis. Só então entendemos a verdade do outdoor próximo ao aeroporto: “Esta noite, 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma é cubana”. Outro: “A cada ano, 80 mil crianças morrem vitimas de doenças evitáveis. Nenhuma delas é cubana”. Sabemos que milhares delas são brasileiras, a 8ª economia do mundo.

Chegamos um dia apos o encerramento do processo eleitoral, onde se elegeu o Parlamento, eleição não obrigatória, com 95% de participação. E, para nossa surpresa, ficamos sabendo que o Partido Comunista Cubano não é uma organização eleitoral e portanto não se apresenta nas eleições e nem postula candidatos. Os candidatos são tirados diretamente, em assembléias publicas nas diversas formas de organizações existentes: do bairro, das mulheres, jovens, estudantes, campesinas. Que depois vão se reunindo por região, estado e finalmente, no nível nacional. Estes representantes nacionais, elegem o presidente e o vice. Todos os representantes podem ser destituíveis, a qualquer momento, pelas suas bases, caso não estejam respondendo ao projeto de sua eleição. E vimos como 46% dos eleitos são mulheres (e no Brasil conseguimos as cotas de 30% para concorrer!!). As estruturas de funcionamento são mais próximas de uma democracia direta. Parece-me um contra-senso chamar este processo de ditadura. Seguramente, é diferente da democracia burguesa, onde apos colocar o voto na urna finda a obrigação do eleitor. Os críticos valem-se da mágica de que “o que é bom para os EUA é bom para o resto do mundo”.

Tentando entender o que víamos - pouca riqueza material, um povo simples e culto, simpático e sem stress - procuramos estatísticas: alfabetização de 99,8% (no Brasil 86,30%) e que de 1959 a 2007, a quantidade de escolas passou de 7.679 a 12.717, os professores passaram de 22.800 para 258.000, com uma população em torno de 11 milhões de habitantes sendo o pais com o maior índice de professores por habitante do mundo. No IDH 2007 da ONU, o Brasil comemorou o fato de figurar em 70º lugar. Cuba figura em 51º lugar. O país conta com 70.594 médicos para uma população de 11,2 milhões (1 médico para 160 habitantes); índice de mortalidade infantil de 5,3 para cada 1.000 nascidos vivos (nos EUA são 7 e, no Brasil, 27); 67 universidades gratuitas. Dados da Unesco em 2002 mostram que 98% das residências cubanas possuíam instalações sanitárias adequadas (contra 75% no Brasil). Dados da CIA, central de inteligência americana, estimava em 1,9% o desemprego em Cuba; no Brasil era de 9,6% no ano de 2007. E que, a expectativa de vida ao nascer na ilha era de 77,41 anos e no Brasil era de 71,9 anos.

Esses são alguns números que encontramos, a despeito de ser uma pequenina ilha, ao alcance de um tiro de canhão disparado de Miami, que resistiu a uma tentativa de invasão norte-americana (Baía dos Porcos, 1961) e a várias outras de assassinato de Fidel Castro e ações terroristas orquestradas pela CIA, ter um bloqueio econômico e político apenas rompido por países com autonomia como Venezuela, Bolívia, China e alguns paises da Europa.

Continuamos procurando outros sinais de desmandos: e os presos políticos?

De fato, há pessoas detidas mas não pelo que pensam, mas pelo que fazem, como o de organizar grupos financiados pela embaixada dos EUA. Fora isso, todas as personalidades importantes da dissidência estão em liberdade, mantendo suas atividades políticas como Martha Beatriz Roque, Vladimiro Roca e Oswaldo Paya. É importante ressaltar que Cuba sofreu intensamente com o terrorismo nos últimos 40 anos, perfazendo mais de 3500 mortos. Documentos oficiais dos EUA confirmam o financiamento de cubanos exilados para promover ações contra o governo cubano. O museu na Praia Giron (ou Baía dos Porcos) é um monumento de denúncia das ações terroristas, iniciadas desde 1961 com o rompimento das relações diplomáticas e a instauração do bloqueio econômico. Alguns dados: em 1963 o democrata Kennedy aprova o plano de manter todas as pressões possíveis com o fim de perpetrar um golpe de Estado, obrigando Fidel Castro a viver como nômade. Nos anos 90, a Lei Torricelli reforça o bloqueio econômico (seção 1705): “Os Estados Unidos proporcionarão assistência governamental adequada para apoiar a indivíduos e organizações não governamentais que promovam uma mudança democrática não violenta em Cuba”. Esta lei vai ser reforçada na administração de Clinton, pela lei Helms-Burton: “O presidente dos EUA está autorizado a proporcionar assistência e oferecer todo tipo de apoio a indivíduos e organizações não governamentais independentes com vistas a construir uma democracia em Cuba”. O governo Bush não podia ficar atrás e, em 2004 aprovou um financiamento de 36 milhões de dólares para financiar a oposição a Cuba, em 2005 mais 14,4 milhões de dólares, em 2006 mais 31 milhões de dólares alem de 24 milhões de dólares para a Radio e TV Marti, transmitida dos EUA para Cuba neste caso, infringindo a legislação internacional que proíbe este tipo de transmissão. Querem impor a Cuba a democracia (sic) que estão implantando no Iraque.

Com o nosso olhar de turistas de classe média, nos chocavam alguns problemas da vida cotidiana como habitações modestas, transporte publico precário, limitações econômicas para se ter papel higiênico (e pensávamos, pobrezinho dos cubanos). Estas são carências verdadeiras, alem de várias outras apresentadas pelo secretario do partido comunista, em uma palestra para os brigadistas: o aumento da prostituição, dos pequenos delitos, da corrupção e da desigualdade social. Sabiam dos problemas que poderia acarretar a abertura para o turismo apos o fim da União Soviética e a intensificação do bloqueio, nos anos 90. O investimento no turismo e posteriormente, com a criação da moeda turística, cresce a entrada de divisas, possibilitando um rendimento para os trabalhadores destes setores acima do restante da população, ocasionando o aumento da desigualdade social. Afirma ele que vivem em uma quádrupla ilha: posição geográfica; única nação socialista do Ocidente; órfã de sua parceria com a União Soviética e bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA. Consciente destes novos problemas, buscam construir respostas coletivas. Desencadearam um processo de críticas e sugestões, através das organizações de massa e dos setores profissionais. Ate agora, mais de 1 milhão de sugestões foram recebidas e estão sendo trabalhadas.

Mas, para nos brasileiros de classe media (somos quantos? 5%? 10%) e que não conhecemos a realidade dos 90% do nosso povo, que não tem como pagar um plano de saúde, com educação precária, com pouca alimentação, que fica com os restos do desperdício dos 10%, é difícil entender a lógica econômica de uma sociedade voltada para os 100% da população. E ficamos horrorizados por eles não terem papel higiênico. Mas não nos deixam horrorizados que tenham bibliotecas e livrarias em toda escola e em toda cidadezinha. Ou que tenham acesso à saúde e educação da melhor qualidade, habitação com saneamento e aparelhos eletrodomésticos novos que economizam energia. Ou, que vivam em um pais sem degradação ambiental.

E a busca do conhecimento? E as escolas? Como é possível ver os círculos infantis, crianças de 1 a 4 anos, assentadas ouvindo historias, sem a professora estar gritando, mandando ficarem quietas? E ver os portões destas escolas abertas e as crianças não fugirem? Como é possível não serem stressadas? E conversando com as crianças do pré-escolar e do escolar (5 a 11 anos), ficávamos surpresas com as perguntas cheias de inteligência e informação sobre nosso pais. Como nos permitiam entrar nas salas de aulas, fotografar, bisbilhotar as bibliotecas onde encontrávamos livros de Marx a Lênin, de Jorge Amado, Machado de Assis, a Shakespeare? Imagine isto aqui no Brasil! Ficávamos encantadas. Eu, como professora da UFMG, tida como uma das melhores do Brasil, me encantava com aquelas bibliotecas. E as livrarias? Na pequenina Caimito onde ficava o acampamento, literalmente invadimos uma livraria, comprando tudo quanto e tipo de livro, pela sua qualidade e pelo preço (comprei um livro do Boaventura de Souza Santos por 8 pesos cubanos ( mais ou menos a R$ 0,50), outro do Che Guevara sobre Economia Política de 397 págs. por 22 pesos cubanos, portanto em torno de R$ 1,40.

E o investimento na potencialidade do ser humano não pára aí. O desenvolvimento das artes – dança, pintura, musica, poesia, desportos – é encontrado em cada escola, em cada esquina, em cada cidade.

Tivemos também as frustrações no contato com pessoas, especialmente em Havana, onde impera o espírito da cidade turística, buscando sempre ganhar alguma coisa, passar a perna, apenas diferenciando de nossas cidades turísticas como o Rio de Janeiro pela intensidade dos problemas. É mais ingênuo, meio estilo anos 60. De todo jeito, frustrante. Nos entristeceu encontrar cubanos sonhando em sair da ilha, acreditando por exemplo, que o Brasil é um paraíso, visão que têm através das telenovelas (que todos lá assistem).

É assim, uma sociedade muito diferente que nos estimula e atrai. Alias, nada melhor para expressar isto do que a crônica do Clovis Rossi, o “pop star” se aposenta do dia 20 de fevereiro na FSP, relatando o episodio de um encontro do GATT, com a presença dos chefes de estados, diferentes autoridades mundiais e jornalistas de todo o mundo. Diz ele que o burburinho na sala do encontro e na sala dos jornalistas era enorme, com a atenção dispersa. Quando se anunciou Fidel Castro houve uma grande agitacao, com todos procurando o melhor lugar para assisti-lo e "ao terminar, uma chuva de aplausos, inclusive de seus pares, 101% dos quais não tinham nem nunca tiveram nenhum parentesco e/ou simpatia com o comunismo. Difícil entender o que aconteceu ali".

Para terminar, quero colocar uma idéia desenvolvida na mesa redonda integrada por vários cientistas cubanos e sintetizada pelo jornalista Jesus Rodrigues Diaz, falando sobre o potencial no desenvolvimento do conhecimento quando ele se dá de forma coletiva: “Temos que insistir também que, quando falamos do Potencial Humano criado pela revolução, não nos referimos exclusivamente à quantidade de conhecimentos técnicos incorporados em nossa população. Mais importante ainda é a semeadura de valores éticos, de atitudes ante a vida. Na sociedade do conhecimento faz falta um cidadão com vocação de aprender e de criar, e de levar seus conhecimentos aos demais seres humanos. Os conhecimentos técnicos nos podem dizer como se trabalha, porem são os valores os que nos fazem compreender por que se trabalha e deles tiramos as motivações e as energias para seguir adiante.

Que se passa agora se os conhecimentos se voltem ao fator mais importante da produção, inclusive os bens de capital? Não é difícil de prever. A resposta do capitalismo é a intenção de converter também o conhecimento em Propriedade Privada. Porem, a boa noticia é que isto não vai funcionar. O conhecimento não é igual ao Capital. Está nas pessoas e não se pode facilmente privatizar. O conhecimento requer circulação e intercâmbio amplo. As leis da propriedade intelectual inibem este intercâmbio. O conhecimento é validado pela sua aplicação social, não pela sua venda. "O uso amplo dos produtos do conhecimento é o que os potencializa", termina o jornalista. Esta é a grande limitação do raciocínio capitalista em entender a potencialidade da criação coletiva. Ignoram que a criação humana coletiva tem muito mais possibilidades do que as leituras positivistas do conhecimento.

O maior feito desta pequenina ilha, com um povo cheio de dignidade e coragem, terá sido o de mostrar ao mundo que é possível construir uma sociedade baseada no ser humano e não na mercadoria e na acumulação de capital. E isto ameaça o mundo capitalista, e é rejeitada pela imprensa burguesa e pelos setores médios que querem impor as condições de suas vidas para a totalidade do mundo. Mas, Cuba não esta só. Existe hoje uma rede internacional de solidariedade ocasionada pelos médicos e professores cubanos em mais de 100 países, pela Operação Milagros, pelas brigadas de solidariedade e por todos aqueles que acreditam que Um Outro Mundo é Possível e que lutam pela sua construção.

(*) Professora da UFMG e conselheira do Conselho Federal de Economia

Extraído de:
http://www.cofecon.org.br/index.php?Itemid=99&id=1315&option=com_content&task=view

Uma questão que talvez inquiete quem ainda sonha com distribuição de renda no Brasil é se essa igualdade virá de uma revolução mais ou menos violenta, com desapropriações, derrubada das oligarquias, isto é, se virá com a ditadura do proletariado, ou se decorrerá de uma crescente política voltada para o social.

Em declaração recente, o candidato Plínio de Arruda (PSOL) entende que o governo Lula representa um atraso nas reformas sociais, uma vez que sua política social ameniza a situação dos miseráveis, criando um conformismo que leva à imobilidade. Lula representaria um neoliberalismo disfarçado de causa social, minimizando os problemas, trazendo uma falsa impressão de que as coisas andam bem, desmobilizando as massas e retardando uma possível reação.

A idéia central é que a repressão de um possível governo de direita acordaria o povo do que ele chama de ‘encantamento’ ou ‘hipnose’ causada pelo governo Lula. Trocando em miúdos, quanto pior, melhor.

A idéia seria genial se o brasileiro tivesse uma tradição de lutas, o que não parece muito convincente. O que me surpreende, ou pelo menos não fica muito claro, é que, como é de conhecimento de Plínio, o muro que nos separa de um socialismo não se resume às condições materiais de existência. Plínio não ignora que as oligarquias brasileiras dispõem de um poderoso aparelhamento ideológico. O controle da mídia pelas sete famílias forma e deforma tanto a opinião dos chamados universitários como também faz com que os próprios pobres tenham admiração por um presidente inteligente, que sabe falar bem. A verdade é que o pobre de hoje não quer mudanças, quer ascender. Ele não deseja grandes transformações se vislumbrar uma chance de “subir na vida”. Por isso, não consigo me convencer que um governo de direita seria desastroso o suficiente para dar início a uma reação popular.

Entre a hipnose causada pela imprensa golpista e a hipnose causada pelo programa bolsa-família, fico com a última. Com imenso orgulho e sem nenhum arrependimento votei em Plínio no primeiro turno porque concordo que o atual governo não vai promover nenhuma reforma significativa. Mas acredito que a reação do povo não será desencadeada por um governo desastroso, e sim por uma conscientização que, ao meu ver, só virá por uma educação comprometida. E se o caminho é a educação, ainda acho que o governo atual, aos trancos e barrancos, ainda consegue um resultado menos pior do que o governo anterior. Basta se perguntar qual governo vetou as disciplinas de Filosofia e Sociologia do Ensino Médio e qual governo as tornou obrigatórias na grade curricular. O resultado é risível, entretanto, o gesto é significativo.

E o cenário da eleição foi esse. A mídia reproduzindo as cartilhas do IPES/IBAD. Serra ressuscitando a marcha da “Família com Deus pela Liberdade”. O resultado disso é estarrecedor: “faça um favor a SP: afogue um nordestino”, comenta uma estudante universitária. Isso só convence de que, embora a esquerda não seja a esquerda que desejamos, o terreno é perigoso e não é momento de brincar com a direita.

terça-feira, novembro 02, 2010

Assisti ao filme Tropa de Elite 2. O roteiro é provocante e traduz muito bem para o espectador o chamado "crime organizado", de que todos os jornais mencionam mas que ainda parece algo distante da realidade. O filme mostra fortemente como a corrupção se reflete no cotidiano, e que a favela representa no crime o que as organizações chamam de nível operacional, existindo ainda, um nível tático e, por fim, um nível estratégico, justamente onde entram os colarinhos brancos. Esses são os verdadeiros comandantes do crime, mas precisam do pobre, do favelado, do excluído, porque eles não sairão de seus gabinetes para oferecer drogas nas escolas. Esse trabalho é destinao aos lascados.
Destaco três problemas que o filme me permitiu pensar. Primeiro, a mídia como aparelhamento político. Segundo, o seu papel na formação de opinião, na ideologia, moldando o consciente popular, hipnotizando as pessoas de modo a dar aceitação e legitimidade às mais cruéis injustiças, preconceitos, etc.
Finalmente, mostra que uma vontade boa que não tenha clareza quanto ao sistema nervoso do crime, que não seja capaz de transcender o sensível, sair da caverna e ver as coisas à luz do sol, acaba mais prestando um serviço ao crime do que, de fato, lutando contra ele.
Uma criança ao fazer um lanche em uma modesta casa comenta: "Aqui não falta nada. Lá em casa falta tudo".
Chama a atenção que a criança não usa o verbo ter/não-ter, e sim faltar/não-faltar.

Horas depois, na Band, o programa "A Liga" exibe a extravagância dos ricos brasileiros. No pet shop, existe patê francês para cães que tiveram dias estressantes. Iates, brincos, helicópteros. É assustador ver como tudo isso causa muita inveja e nenhuma indignação. É perturbador se dar conta de como a sociedade fechou os olhos para tamanha injustiça e acha tudo normal. É medonho pensar que desfrutar de tanto requinte não causa vergonha nenhuma e que essas pessoas estão revestidas de toda a proteção que a lei pode dar a elas. Embora os ideais 'liberais' pareçam justos e que esse cotidiano perdulário não transgrida em nada o nosso suntuoso ordenamento jurídico, custa-me acreditar que essas riquezas foram obtidas com justiça e que esses gastos sejam morais. Primeiro porque não há quem fique tão rico sem sangrar um pobre. Além disso, deveríamos nos perguntar que moralidade há em desfrutar de tanto requinte num país onde a maioria vive em completa exclusão social.
O que esperar do governo? o que podemos fazer enquanto sociedade civil para que aquela criança tenha alimentação digna, e que os ricos sintam um mínimo de constrangimento ao permitir que um cão tenha uma alimentação mais saudável que uma criança.

domingo, outubro 24, 2010

Darcy Ribeiro

O Brasil cresceu visivelmente nestes oitenta anos. Cresceu mal, porém. Cresceu como um boi mantido, desde bezerro, dentro de uma jaula de ferro. Nossa jaula são as estruturas sociais medíocres, inscritas na Constituição e nas leis, para compor um país da pobreza na província mais bela da Terra. Se continuarmos sob a vigência destas leis, no Brasil do futuro a maioria da gente nascerá e viverá nas ruas em fome canina e ignorância figadal, enquanto a minoria rica, com medo dos pobres, se recolherá em confortáveis campos de concentração, cercados de arame farpado e eletrificado. Entretanto, é tão fácil nos livrarmos dessas teias, e tão necessário, que dói nossa conivência culposa. Vamos passar o Brasil a limpo, companheiros.

(Extraído de: RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barrancos: como o Brasil deu no que deu. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1986).
Citação obtida em http://informaticacidadania.blogspot.com/2010/08/ditadura-militar-parte-12.html

sexta-feira, outubro 15, 2010

Por que vou votar na Dilma Rousseff

No segundo turno uma coisa é certa: um presidente será escolhido. Esse apelo para o óbvio é para mostrar que não adianta votar nulo para bancar o idealista, o revoltadinho. Idealismo e revolução se faz nas ruas, e não nas urnas.

Para este segundo turno, temos duas candidaturas: Dilma e Serra. No aspecto econômico, os dois são muito semelhantes. Não farão grandes mudanças nas taxas de juros, jogarão o jogo dos empresários e banqueiros e se esforçarão para controlar a inflação.

Temas como aborto, união civil de homossexuais (ou homoafetivos) e legalização das drogas, são irrelevantes agora. Foram temas importantes na hora de escolher os parlamentares, pois é do Congresso Nacional, e não do Planalto, que sai a decisão. Presidente pode tomar a iniciativa ou talvez vetar, mas a palavra final é dos parlamentares que já escolhemos. Então são discussões que, pra mim, ficaram para trás.

No quesito ética, imagino que os dois até podem ter boa vontade, mas é impossível saber o que se passa em toda a extensão da máquina pública. Então o que pesa nesse aspecto é a postura que adotam quando se descobre a corrupção. E nesse ponto, as investigações ocorridas no governo atual pareceram ser mais transparentes e dotadas de mais autonomia do que na era FHC. No governo atual os mecanismos de controle foram fortalecidos e foi criado o portal da transparência. Nada extraordinário, mas muito melhor do que negar, omitir e engavetar os processos.

Apesar de o governo anterior ter seus méritos por alguns avanços, como a estabilidade monetária e a Lei de Responsabilidade Fiscal, foi marcado também pelo neoliberalismo, com a política de enfraquecimento do Estado, privatização de estatais estratégicas e uma abertura perigosa do mercado.

Já o governo atual conseguiu tirar mais pessoas da miséria, deu mais atenção à educação (lembre-se que FHC vetou a inclusão de filosofia e sociologia no Ensino Médio e elas somente retornaram no governo atual) e inegavelmente fez mais concursos públicos, fortalecendo o Estado.

O governo atual teve coragem de negociar com países e, embora não seja uma potência militar e nem econômica, exerce liderança moral. Os Estados Unidos tentam implantar a todo custo a política neoliberal, mas a verdade é que intervêm na economia e oferecem subsídio à sua produção, coisa que somente o governo atual percebeu e teve coragem de denunciar.

No cenário atual, portanto, eu não vejo Dilma e Serra. Vejo PT e PSDB. Vejo de um lado um PT um pouco mais nacionalista, tentando reduzir a pobreza sem mexer com interesses, e de outro lado, um neoliberalismo escancarado e irresponsável do PSDB/DEM (PFL), disposto a sacrificar toda a população em torno de uma ilusão de progresso, que na verdade só trará benefícios a uma elite.

Por isso, meu voto no segundo turno é Dilma.

terça-feira, outubro 12, 2010

Na esquerda, a primeira vez é sempre a última chance...

Sempre que o discurso se desloca um pouco para a esquerda o interlocutor pergunta por Cuba como quem dá o golpe de misericórdia na conversa, como se fosse o xeque-mate. Isso acontece por dois motivos: primeiro porque tem um conceito tipicamente burguês de progresso, isto é, a idéia de que uma sociedade moderna é aquela onde alguns poucos dispõem de todo conforto e todo aparato tecnológico, mesmo que a imensa maioria sobreviva na mais profunda miséria. Então nenhuma diferença faz para o capitalista, que todas as crianças de Cuba estejam na escola, se não existir uma elite gozando do todo o luxo que o dinheiro pode comprar. Para essas mentes, São Paulo é bem sucedida por ter a terceira maior frota de helicópteros do mundo, e simplesmente não importa que o restante da população esteja se amontoando em favelas.

A segunda razão, intimamente ligada com essa noção de progresso, é que, para os liberais, que se auto-denominam detentores exclusivos da democracia, a miséria existente no capitalismo é perfeitamente explicada por algumas variáveis complexas e o mundo inteiro pode se tornar um laboratório para esse regime funesto. Entretanto, se o socialismo “falha” em dois ou três países, é o suficiente para demonstrar que ele não passa de uma utopia retrógrada, violenta e fracassada. Então, o que temos é um hemisfério inteiro passando fome para sustentar um modelo porque a experiência cubana está aí para demonstrar que não se pode sonhar com o contrário.

A miséria existente nas economias liberais representa apenas uma pequena necessidade de “ajustes”. Então os teóricos se encarregam de buscar outras explicações que na sua ótica nada têm a ver com o capitalismo, como a corrupção e baixa escolaridade. Cometem, ao que parece, a falácia da inversão das causas. O fracasso escolar é para eles a causa da desigualdade, e não conseqüência de um modelo em que filhos de ricos vão para uma escola repleta de recursos enquanto filhos de pobres dividem seu tempo entre escolas sucateadas e os semáforos.

Um dos argumentos é de que não adianta Cuba ter uma boa educação se esta não é capaz de transformar a vida das pessoas, de promover o salto necessário para desfrutar dos seus méritos. Resultado disso é que o médico é obrigado a comer da mesma comida que seus pacientes comem e ver seu filho estudando na mesma escola que o filho do gari estuda. Isso sim é um absurdo inaceitável em uma sociedade liberal. Nesse pensamento também se encontra um dos paradigmas mais protegidos pelo capitalismo: o de que deve existir uma recompensa para quem faz a adesão e garante sua inclusão no sistema, isto é, o acesso a um consumo diferenciado. Essa é a ideologia que coloca o liberalismo em perfeita harmonia: é por essa razão que no liberalismo não existe escândalo em usar seu helicóptero para evitar os pedintes de sinais.

E há quem defenda essa lógica.