segunda-feira, dezembro 12, 2005

Revelação

Eu me esqueci no armário.

Pensei estar vivendo,
estudando, trabalhando, sendo!

Pensei ter amado e odiado,
aprendido e ensinado,
fugido e lutado,
confundido e explicado.

Mas hoje, surpreso,
me vi no armário embutido
calado, sozinho, perdido, parado.

Fábio Rocha

sexta-feira, novembro 25, 2005

Artigo - Motivação e Filosofia*

Este trabalho apresenta uma síntese acerca do surgimento da filosofia, teorias psicológicas sobre motivação, um problema da educação no Brasil e perspectivas para a o ensino da filosofia.

Conta-se que Tales de Mileto, considerado pela tradição como o primeiro filósofo, distraído, teria caído num poço enquanto olhava para o alto atraído por uma estrela cadente, recebendo a fama de distraído. Daí corre em sua cidade um dito: "Oh! Tales, tu presumes ver o que está no céu, quando não vês o que tens aos teus pés!". Tão antigas quanto é a filosofia são as opiniões que a cerca. O mesmo poderíamos dizer de Sócrates. Em uma comédia produzida por Aristófanes, o filósofo é o referencial do sábio, satirizado, apresentado como sofista, amoral, interesseiro e andrajoso. Alcebíades conta que, durante uma guerra, Sócrates achava-se de pé numa manhã à procura de uma idéia, e, entregue aos seus pensamentos, assim permaneceu durante todo o dia, até o raiar do sol do dia seguinte, quando, fazendo uma prece, seguiu o seu caminho. Alcebíades testemunha a capacidade de concentração de Sócrates sem se dar conta de como a situação também pode ser interpretada como ridícula.
Os primeiros filósofos da humanidade foram gregos. Que cada civilização já possuía uma forma de pensamento, é óbvio, inclusive alguns homens se tornaram grandes referenciais, como Confúcio e Lao Tsé, na China, Buda, na Índia, ou Zaratustra, na Pérsia, mas suas idéias ainda estavam demasiadamente ligadas à religião para que os chamemos filósofos. Isso não quer dizer que seriam povos primitivos ou atrasados, pelo contrário, a cultura oriental pode em muito ter contribuído para o surgimento da filosofia na Grécia: a agrimensura egípcia, por exemplo, pode ter dado origem à aritmética e à geometria, assim como a astrologia dos caldeus e babilônicos podem ter originado a astronomia e a genealogia persa, a história.
De qualquer forma, os mitos tinham um papel de extrema relevância para a civilização. Através deles se explicava:

a origem dos reis, a própria origem do homem, do povo grego, das guerras, dos
amores, da doença e da morte, dos sentimentos; enfim, de toda riqueza de sua
cultura.
A palavra mito deriva dos verbos mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa) e mytheo (conversar, anunciar, nomear, designar) e eram transmitidos pelos aedos e rapsodos, que davam forma poética aos relatos populares e os recitavam em praça pública. A autoridade dos narradores decorria de haverem testemunhado suas histórias, ou de haverem recebido diretamente de quem as testemunharam.
Assim, a filosofia surge por volta do final do século VII a.C e durante o século VI a.c, em virtude da insatisfação das pessoas com as explicações fantasiosas, contraditórias e, às vezes, incompreensíveis. O conhecimento deixa de ser visto como uma coisa misteriosa, divinamente revelada a alguns escolhidos e passa a ser entendido como algo alcançável por qualquer pessoa. Ela se preocupa em buscar uma visão ampla, baseada em causas naturais e impessoais. É rigorosa no que diz respeito à lógica, à coerência e à razão, sendo que desta provém sua autoridade. A professora Marilena Chauí define a filosofia como

“aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e
humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e
causas das ações humanas e do próprio pensamento”
Apesar de alguns autores chamarem essa ruptura com o mito de "milagre grego", alguns estudiosos tentam apontar alguns fatores que podem ter preparado o nascimento da filosofia. São eles a invenção da escrita, o surgimento da moeda, a lei escrita e o nascimento da pólis. O rigor, a clareza e a precisão que a escrita requer estimula o pensamento crítico, a moeda desenvolve a capacidade de abstração e generalização, a legislação e a democracia abrem espaço para discussão, e com isso a justiça deixa de ser uma arbitrariedade dos reis ou interpretação da vontade divina. Dessa forma, explicam o surgimento da filosofia de uma forma progressiva.
Os primeiros filósofos ficaram conhecidos como naturalistas. A razão disso é que, uma vez que já não tinham o amparo dos mitos, perscrutavam o mundo na busca de uma unidade que pudesse explicar a multiplicidade. Em outras palavras, desejavam saber o que possibilitou o surgimento de um universo tão complexo e tão ordenado a partir da desordem, ou seja, do puro Caos. Os pré-socráticos estavam, portanto, à procura da arché, o princípio de todas as coisas, não como o que antecede no tempo, mas como o fundamento do ser. Assim surgiram as mais variadas respostas para essa unidade, sendo que para Tales seria a água, para Anaxímenes, o ar. Demócrito acreditava ser o átomo, e, dentre muitos outros, mencionamos também Empédocles, que propôs os quatro elementos, teoria ainda aceita até o século XVIII.
Como vimos, desde o seu início, a filosofia sonda a própria realidade. "Portanto, a teoria do filósofo não constitui um saber abstrato. O próprio tecido do seu pensar é a trama dos acontecimentos, é o cotidiano". Especulando praticamente sobre tudo o que pode ser conhecido, inclusive se é o próprio conhecimento é possível, podemos segmentá-la em lógica, ética, estética, política e metafísica.
Agora que temos uma ligeira noção sobre a origem da filosofia faremos também uma breve descrição do que vem a ser a motivação, e como esse conhecimento pode ser aproveitado na docência da filosofia.
Em psicologia, podemos dizer que todo comportamento é determinado por uma causa motivadora, conhecido como o "princípio psicológico". Assim, as ações do homem não são arbitrárias, mas, por mais espontâneas que sejam, foram causadas por algum motivo, que pode ser entendido como um constructo que o sujeito elabora para explicar a razão de se fazer algo ou a necessidade de se agir de determinada maneira.
As teorias psicológicas possuem um entendimento variado da motivação humana, conceituaremo-la a seguir nas perspectivas humanista, behaviorista e cognitivista.
A teoria humanista enfatiza as tendências predominantes no próprio sujeito. Definem a motivação em termos de desejos, carências e anseios, mas sem desconsiderar as questões interacionistas. Abraham Maslow (1908-1970) hierarquizou as necessidades humanas a fim de explicar suas ações. Acima de todas as outras necessidades, o ser humano prioriza aquelas que envolvem sua sobrevivência, podendo até mesmo agir "como animal inferior quando em situações de extrema privação de oxigênio, líquido, alimento ou descanso". Isso explica o baixo rendimento de alunos que não possuem alimentação adequada, pois por mais que se esforcem por aprender, toda a sua atenção está direcionada ao desejo de saciar a sua fome, e é compreensível que não assimilem o que é discutido em sala de aula. Satisfeitas essas necessidades primárias, as outras vão emergindo, como é o caso da necessidade de segurança. As pessoas precisam estar protegidas de qualquer ameaça ou situação perigosa, e essa necessidade motiva as pessoas a lançarem mão das técnicas e equipamentos que transmitem sensação de estarem guardadas. Seguindo essa hierarquia, temos também as necessidades de amor e pertinência, de ter relações afetivas, familiares e sociais. As pessoas também precisam ser reconhecidas como pessoas de valor, é a necessidade de estima, e sem que esta esteja satisfeita, acabam se sentindo inferiores, fracas e nessas condições dificilmente conseguem se empenhar em alguma atividade, podendo ser conduzidas ao fracasso. Continuando a hierarquia, temos agora a necessidade de auto-atualização, ou seja, de se tornarem aquilo que são potencialmente. Aqui o estudo pode se tornar um meio de se chegar à estatura desejada. Enfim, Maslow apresenta as duas ultimas necessidades do homem: a de conhecimento e compreensão e as estéticas. A primeira busca satisfazer o desejo de conhecer e compreender as coisas, adquirir novos conhecimentos, e nem todo mundo apresenta essa tendência. A segunda, por sua vez, é o apreço que alguns têm pela beleza e desprezo pela feiúra. Todas essas necessidades são dinâmicas. Cada uma delas vai adquirindo mais ou menos importância sobre as outras na medida em que vão emergindo e sendo supridas.
Segundo o behaviorismo, ou comportamentalismo, o ambiente atua sobre o comportamento humano tanto como disposição como reforço, no primeiro caso, quando propicia um comportamento e, no segundo, quando torna seu efeito recompensador. Por exemplo: um jornal apresenta suas notícias mais relevantes em letras garrafais logo na sua primeira página. Isso ocorre a fim de atrair a atenção do leitor, para que ao visualizá-la, encontre algo que o estimule a adquirir o jornal e lê-lo em sua íntegra. A editora se preocupou em deixar a sua publicação atraente para seus potenciais leitres, ou seja, tornou-o propício. Uma outra pessoa, no entanto, pode ainda comprar o jornal não por causa de sua curiosidade ou desejo de informar-se, mas objetivando encontrar emprego ou oportunidade de negócio. Neste caso a motivação não foi a disposição, e sim o reforço. Todavia, se essa pessoa comprar o jornal durante vários dias consecutivos e não encontrar nenhuma proposta, provavelmente deixará de comprar o jornal, uma vez que este não atende mais suas expectativas. Deixando o reforço de existir, não há mais motivação, e ocorre a extinção do comportamento, ou seja, da compra do jornal. O mesmo vale para o que comprou o jornal por causa das manchetes estampadas em sua capa: caso seu teor não esteja no nível mínimo que esperava quando comprou o jornal, este também deixará de comprar.
Baseando-nos nessas informações, percebemos que o ambiente não parece ser muito favorável como disposição na aprendizagem da filosofia. Se lembrarmo-nos da fama dos filósofos desde a antiguidade, podemos descartar o prestígio como fator motivador. Primeiro, porque toda a cultura vê a atitude filosófica como sinônimo de ócio ou pura conversação. E, em conseqüência disso, não há uma boa perspectiva profissional em torno da filosofia. E isso não é reflexo de um mundo globalizado ou capitalista, mas uma simples questão de prioridades, como podemos observar nesse fragmento escrito por Erasmo de Rotterdam:

"Os teólogos passam fome, os físicos morrem de frio, os astrólogos caem no
ridículo, os dialéticos são desprezados. Só o médico se dá bem com os homens
[...] Depois dos médicos, a melhor situação é a dos juristas, mas talvez sejam
até os primeiros [...] seus vastos latifúndios se ampliam sempre mais..."
René Descartes, num momento decisivo em sua vida, passou alguns instantes pensando em seu futuro, analisando alguns aspectos:

"... [Eu sabia] que a filosofia ensina a falar com coerência de todas as coisas
e de se fazer admirar pelos que possuem menos erudição; que a jurisprudência, a
medicina e as outras ciências proporcionam honras e riquezas àqueles que as
cultivam..."
Aqui o estudo da filosofia parece estar restrita a uma espécie de pedantismo. Conforme afirma Karl Jaspers, "por força da tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo". Estamos em um mundo em que as pessoas têm uma visão que busca resultados imediatos do conhecimento, e assim, a filosofia é tida como um conhecimento inútil, afinal, seus efeitos não trazem conforto, não curam doenças e nem são cobrados em processos seletivos.
Surge, então, o problema: como motivar os alunos ao aprendizado da filosofia?
Para responder a essa pergunta, vamos analisar sumariamente um aspecto da educação no Brasil. Segundo o educador Paulo Freire, um grande problema da educação é a ausência de uma contextualização à nossa realidade. Em suas palavras:

"Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem
comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à
experiência existencial dos educandos vem sendo, realmente, a suprema
inquietação desta educação."
Ora, se os nossos conceitos não são intrínsecos ao nosso meio, nós só os aprendemos para tornarmo-nos eruditos. O estudante se transforma em uma máquina capaz de recitar a capital dos diversos países do mundo. Aprende uma gama de cálculos e informações completamente alheias à sua realidade. E muitas vezes essa intelecção não traz consigo um mínimo de reflexão ou pensamento crítico.

"Desta maneira a educação se torna um hábito de depositar, em que os educandos
são os depositários e o educador depositante [...] Eis aí a concepção 'bancária'
da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de
receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los."
Terá sido essa a motivação de Parmênides, de Heráclito, de Sócrates e tantos outros? Aprenderam a filosofia simplesmente para se tornarem indivíduos pernósticos? Não. Definitivamente eram pessoas curiosas, pessoas que não se conformavam com qualquer explicação. A Sócrates não importava quantas pessoas o observavam de pé durante o dia inteiro, porque a sua inquietação era muito maior do que o desejo de ser notado. Para explicar melhor, poderíamos recorrer a um contraste entre os primeiros filósofos e as críticas de Paulo Freire. Os gregos buscavam o que chamavam de alethéia, ou seja, o desvelamento: deixar as coisas se mostrarem tais como são. Compreender a natureza das coisas, suas essências, sem dissimulações, conforme afirma Marilena Chauí, "conhecer é ver e dizer a verdade que está na própria realidade". Consideremos agora a crítica de Freire:

Na educação de adultos, por exemplo, não interessa a esta visão "bancária"
propor aos educandos o desvelamento do mundo, mas, pelo contrário,
perguntar-lhes se "Ada deu o dedo ao urubu", para depois dizer-lhes
enfaticamente, que não, que "Ada deu o dedo à arara".
Certamente, esta visão bancária de educação só permanece no Brasil em virtude de como trata a educação. Segundo o economista Cristovam Buarque, "no Brasil, a educação foi vista, desde o período colonial, como um luxo, ou um instrumento ao desenvolvimento econômico, e não uma finalidade do processo civilizatório". Na verdade, o que Buarque quer mostrar é que a educação sempre foi vista como um meio de exclusão, e não de inclusão. Ao invés de ser amplamente difundido e minimamente nivelado, o ensino sempre foi tratado como um instrumento de ascensão social, ou seja, propositalmente para que alguns poucos conseguissem acesso a ele, se diferenciando dos demais. Nosso país

abandonou a instrução de suas massas e deseducou sua elite, ao instruí-la
comprometida integralmente com interesses desvinculados da realidade e das
necessidades do país [...] Não teve objetivos que visassem a educação como meta
de seu povo, e instrumento da construção de uma modernidade que significasse
ampliação do horizonte de liberdade. Não contemplou objetivos sociais. [...]
Usou instrumentos, objetivos e métodos de uma sociedade dependente e a serviço
apenas de uma minoria.
Em síntese, há um grave problema educacional no país. Em primeiro lugar porque a instrução não é vista como uma prioridade, como essencial à socialização, mas como uma forma de elevação social. Em segundo lugar, porque ela está fora dos nossos próprios padrões, seu modelo, seus métodos e sua grade curricular estão totalmente voltados para uma ótica técnica e mecanicista, sem compromisso social ou humanitário. E, finalmente, porque ainda são poucos os que têm acesso a ela. Politicamente falando, enquanto a educação não for entendida como um instrumento de humanização, a filosofia não terá espaço dentro da nossa cultura, bem como a história e outras disciplinas que não apresentam aplicação prática ou resultados imediatos.
Não estamos aqui reivindicando um papel messiânico à filosofia, mas falando da educação de um modo geral, é necessário rever as nossas prioridades, adequar todo o ensino em favor da nossa cultura, dos nossos costumes, do nosso clima, enfim, à nossa realidade. Enquanto todo o nosso conteúdo intelectual for transmitido como mera intelecção, seremos meros reprodutores de informações, e caminharemos a um rumo de "desumanização".
Temos ainda o entendimento cognitivista da motivação. Segundo essa teoria, os reforços que vimos no comportamentalismo são relevantes para o início e manutenção de algumas atividades. No entanto, enfatiza os chamados "motivos intrínsecos" para aprender, superar seus próprios limites e realizar seus planos. É o caso quando um estudante se empenha visando um objetivo que ele mesmo estabeleceu, usando critérios próprios para avaliar como está se saindo. Se na ótica comportamentalista ele era motivado a ter uma boa nota para evitar represálias dos pais ou para passar de ano, aqui sua motivação pode ser simplesmente a consciência de estar progredindo, e assim, ele esforçar-se-á cada vez mais. Ora, fazendo um compromisso de prestar contas a si mesmo, naturalmente, alguns fatores emocionais podem desencadear o que denominamos expectativa do sucesso ou medo do fracasso. No primeiro caso, a pessoa não teme o fracasso e nem se frustram facilmente, ela atribui seus sucessos à sua própria competência, e os insucessos são fatores que podem ser mudados com a redução de seus objetivos ou um maior esforço pessoal, enquanto o medo do fracasso a torna insegura e mais passível à frustração.
Observamos que, de forma geral, a motivação escolar está diretamente ligada a fatores sociais, culturais e políticos. Mas como educadores, temos que reconhecer que essa mudança não partirá da política, e sim da própria educação. Por isso, se o nosso desejo é motivar o aluno na aprendizagem da filosofia, devemos começar dentro da sala de aula, e nenhuma proposta parece ser mais sensata do que resgatar a essência da filosofia. Não dando a ela um papel messiânico, mas ela precisa ser viva, contextualizada, fazer parte da nossa realidade. É preciso sepultar essa visão tecnicista, mecânica e bancária de informação e trazer de volta a aletheia, o desvelamento, o desejo de conhecer em sua forma mais nobre, mais abstrato e gratuito: uma finalidade em si mesmo.

A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se
deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É praxis, que
implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo.
Assim, quando o aluno recupera a sua capacidade de espanto, a mesma que deu origem a filosofia, deixa de ser um "filósofo" para ser um amigo do saber, um admirador, um curioso. Neste ponto a filosofia ergue-se, de um conhecimento inútil à excelência.

Referências Bibliográficas:
[1]A HISTÓRIA DA FILOSOFIA. São Paulo, Nova Cultural: 2004.
[2]C&T JOVEM. Tales de Mileto. Disponivel em . Acesso em: 01 nov. 2005
[3]MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein - 8ª ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
[4]NUNES, Cesar Aparecido. Aprendendo filosofia. 3. ed Campinas: Papirus, 1989. p. 22
[5]CHAUÍ, Marilena de Sousa. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 20)
[6]ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. 2 ed. São Paulo: Moderna, 1995. p. 157
[7]Lima, L. M. S. Motivação em sala de aula: a mola propulsora da aprendizagem. In: F. F. Sisto, G. C. Oliveira & L. D. T. Fini (orgs.) Leituras de psicologia para formação de professores. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000 (pp. 148-162)
[8]ROTTERDAM, Erasmo de. MIORANZA, Ciro (trad.). Elogio da Loucura. São Paulo: Escala.
[9]DESCARTES, René; CORVISIERI, Enrico. Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural, 2004.
[10]JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971.
[11]FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1975.
[12]Ibidem
[13]Ibidem
[14]BUARQUE, Cristovam. O COLAPSO DA MODERNIDADE BRASILEIRA: E UMA PROPOSTA ALTERNATIVA. 5. ed São Paulo: Editora Paz e Terra, 1998.
[15]FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1975.

* Este artigo é um trabalho para a disciplina de Psicologia Aplicada à Educação, apresentado em 22/11/2005.

quarta-feira, novembro 02, 2005

René Descartes e o Cogito

Na cidade de La Haye, França, em 1596 nasce René Descartes, em um período de grandes transformações. Estamos falando da descoberta da América, das teorias de Copérnico, Giordano Bruno, Galileu e Kepler, da reforma protestante, da decadência do feudalismo e o surgimento do mercantilismo, enfim, um período de grandes transformações.

Em seu Discurso do Método, Descartes conta que desde sua infância fora instruído nas letras, sempre convencido de adquirir um conhecimento seguro, mas, diferente do que pensava, quanto mais se aprofundava, se via mais embaraçado e consciente de sua ignorância, isso apesar de ter passado pelas mais célebres escolas da Europa. Considerando que todos os homens são igualmente dotados de razão, ou seja, de bom senso, Descartes concluiu que a existência de opiniões tão diferentes sobre um mesmo assunto se dava em virtude dos métodos que utilizavam, assim, a atitude mais razoável seria dispor-se dessas opiniões e seguir por outras, que estivessem ajustadas ao nível da razão.

“E acreditei com firmeza em que, por este meio, conseguiria conduzir minha vida muito melhor do que se a construísse apenas sobre velhos alicerces e me apoiasse tão-somente sobre princípios a respeito dos quais me deixara convencer em minha juventude, sem ter nunca analisado se eram verdadeiros”

Assim, Descartes parte em busca de um método que se apresentasse desprovido dos defeitos que a filosofia, a lógica e as matemáticas exibiam, um caminho que lhe permitisse um conhecimento seguro, e esse método consistia em, primeiramente, “nunca aceitar algo como verdadeiro que não conheça claramente como tal”. Portanto só aceitaria constar em seus juízos algo que se apresentasse de forma clara e distinta. Em seguida, "repartir cada uma das dificuldades que se analisa em tantas parcelas quantas forem possíveis e necessárias a fim de solucioná-las". O terceiro passo é o de "conduzir por ordem os pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para elevar-se pouco a pouco até o conhecimento dos mais compostos. E, finalizando, "efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais se tenha a certeza de nada omitir".

Mas, assim como não se destrói um edifício sem ter onde se abrigar, Descartes julga prudente se firmar em uma "moral provisória", ou seja, alguns preceitos que o conduzissem enquanto aplicava seu método. Em primeiro lugar, decidiu obedecer às leis e aos costumes de seu país, mantendo sua religião e seguindo as opiniões mais moderadas, mantendo-se longe dos extremos. Isso é interessante porque isso lhe dá a segurança de errar menos, ou seja, não exagerando, em caso de estar errado, o erro é menor. Uma segunda máxima consistia em ser o mais firme e decidido possível em suas ações, ainda que fossem tomadas na dúvida, pois isso o libertaria dos remorsos e arrependimentos. É uma decisão sábia também quando se toma o exemplo que ele deu:

"Imitava nisso os viajantes, que estando perdidos numa floresta, não devem ficar dando voltas (...) mas caminhar sempre o mais reto possível (...) pois, por esse método, se não vão exatamente aonde desejam, ao menos chegam a algum lugar onde provavelmente estarão melhor do que no meio de uma floresta."

A terceira máxima era vencer antes a si próprio do que ao destino, fazendo, como se dizia, da necessidade virtude. Conformar-se com a natureza e aceitar as causas externas como se fossem impossíveis de serem vencidas, uma concepção determinista como a dos estóicos. Embora seja uma visão difícil de ser alcançada, pode trazer um conforto maior, evitando frustrações. Por fim, Descartes opta, após uma reflexão, continuar a se dedicar ao cultivo da razão. Seguindo esses princípios, sentiu-se pronto para se desfazer do restante das opiniões que permeavam sua mente.

A próxima missão de Descartes agora é sair do quarto em que se encontrava e recomeçar suas viagens, conhecer culturas e, acima de tudo, duvidar. Mas não duvidar só por duvidar, como os céticos faziam, mas para encontrar fundamentos para seu conhecimento. Ele chegou a pensar que não conseguiria cumprir seu propósito, pois muitos já haviam tentado algo parecido e não conseguiram, mas alguns já sabiam de sua meta, e, agora, prosseguir se tornara uma forma de se fazer jus à reputação que lhe davam.

"Decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais corretas do que as ilusões de meus sonhos". Assim Descartes começa o seu desafio.

"Pois de onde sabemos que os pensamentos que nos surgem em sonhos são menos verdadeiros do que os outros, se muitos, com freqüência, não são menos vivos e nítidos?"

Como podemos ter certeza de que as coisas existem, se, quando estamos sonhando, as coisas nos parecem igualmente reais? Poderia a nossa realidade ser um grande sonho. Mas para que alguns objetos se apresentem nos sonhos devem existir na realidade, para que a mente pudesse usar como uma matriz, como também pode ser que exista um gênio maligno que esteja nos iludindo. É possível? Não podemos ignorar. E se, inclusive as matemáticas, que são tão exatas e tão precisas, não passasse de enganação? Uma coisa é certa: estou duvidando disso, e não posso duvidar que duvido. Ora, se duvido, penso, e se penso, logo existo (cogito, ergo sum!). Descartes conclui que, ainda que tudo seja uma enganação, para ser iludido precisa existir. A certeza da existência é clara e distinta, pelo menos enquanto pensa: "Compreendi, então, que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar", aqui vale destacar o conceito de res cogitans (coisa que pensa). Saber que as idéias existem não é o suficiente para crer que existe também uma realidade, em outras palavras, ele poderia muito bem ter a idéia de um livro sem que um livro existisse. Mas poderia pensar em algo perfeito, sendo ele imperfeito?

"meu ser não era totalmente perfeito, pois via claramente que o conhecer é perfeição maior do que o duvidar, decidi procurar de onde aprendera a pensar em algo mais perfeito do que eu era; e descobri, com evidência, que devia ser de alguma natureza que fosse realmente mais perfeita"

Ele poderia pensar em coisas fora dele por causa da perfeição que havia nele, mas não poderia ter idéia de um ser mais perfeito do que ele, pois o efeito de uma coisa não poderia ser mais do que sua causa. Ora, é claro que se a idéia de perfeição nascesse dele mesmo, ele se conceberia como um ser perfeito. Assim, o único ser que poderia causar a idéia de perfeito é um ser perfeito, e um ser perfeito é Deus. Descartes chega agora a uma segunda certeza, a da existência de um Deus (res infinita), que deixou nele a idéia de perfeição inata, assim como o produtor coloca sua inscrição no produto, Deus deixa inata no homem a idéia da perfeição. Vale lembrar aqui que o caminho que Santo Anselmo toma para provar a existência de Deus é justamente a impossibilidade de pensar algo maior que Deus.

"O argumento cosmológico, por sua vez, terá como conseqüência a possibilidade de afirmar que Deus é o criador do mundo externo, servindo portanto de garantia à existência do mundo e à possibilidade de o homem conhecer o mundo" (Iniciação à história da filosofia, p. 171)

Descartes também não podia negar as propriedades dos objetos, como extensão (quantitativa) ou cor, odor, sabor e outras (qualitativas).

"Isso significa que o conhecimento certo e seguro do mundo externo será possível apenas no que diz respeito a essas propriedades quantitativas, geométricas, matemáticas, as únicas que podem ser conhecidas pela razão. Em outras palavras, o universo propriamente sensível, por sua incerteza, isto é, por não garantir à consciência a certeza das idéias claras e distintas, não poderá ser objeto de conhecimento." (Vivendo a filosofia, p. 237)

René Descartes se tornou um filósofo reconhecido internacionalmente. Dentre seus simpatizantes podemos citar a rainha Cristina da Suécia, com quem trocava correspondências. Coroada aos 18 anos, a rainha estava decidida a corrigir a imagem negativa que a Europa tinha de seu país, e para isso convidou diversos músicos e outros artistas na intenção de tornar sua corte o centro da arte e do ensino no norte europeu, e dentre esses, o famoso filósofo. Aos 53 anos Descartes, após insistência da rainha, chega a Estocolmo. Passados quatro meses, morre de Pneumonia, mas vale citar um fato curioso: uma carta escrita pelo médico da corte, Johann van Wullen, a um colega holandês descreve um quadro que sugere envenenamento por arsênico, muito comum na época. Constatada a veracidade da carta, Descartes poderia ter sido assassinado. Quanto aos motivos, poderia ser inveja ou então uma provável influência que o filósofo poderia estar exercendo sobre a rainha protestante, que começara a simpatizar com o catolicismo. (Grandes Mistérios do Passado, p. 121)

Referências bibliográficas:
DESCARTES. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores)
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 8 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002.
Os Grandes Mistérios do Passado. Reader's Digest: Rio de Janeiro, 1996


quarta-feira, outubro 12, 2005

O desenvolvimento do aprendizado segundo Piaget.

Jean Piaget nasceu em 9 de agosto de 1086 na pequena cidade de Neuchâtel, Suíça. Filho de um historiador e de uma mulher inteligente e dinâmica, com apenas 11 anos viu um artigo seu ser publicado em revista de história natural, aos 19 se tornou bacharel em Ciências Naturais e aos 21 era doutor em Filosofia e daí em diante passou a se interessar pela Psicologia chegando a trabalhar com Binet, que produziu o primeiro teste de inteligência. Observando os questionários, notou que havia uma relação entre os erros e o nível de idade das crianças, concluindo que a inteligência nas crianças não se difere em quantidade, mas em qualidade, ou seja, na maneira de pensar. Assim, rejeitou os testes padronizados em favor do método clínico, por ser este mais flexível. Foi convidado para dirigir o Instituto Jean Jacques Rousseau de pesquisas e seus estudos lhe renderam os primeiros livros. Algum tempo depois fora nomeado professor de Psicologia Genética na Universidade de Paris (Sorbonne), onde permaneceu até 1952, e ao mesmo tempo dirigindo o Instituto e lecionando também na Universidade de Genebra. Faleceu nesta cidade em 1980.

Conceituação

Piaget descreveu o aprendizado em acomodação e assimilação. A acomodação é o ajuste do organismo para lidar com o ambiente, se preparando para uma nova experiência e a assimilação é o processo em que o objeto é transformado se tornando parte do organismo. Podemos compreender melhor fazendo uma analogia com a digestão. Ao ingerir um alimento, os músculos do aparelho digestivo se contraem, expandem-se e liberam certos ácidos para lidar com o alimento (acomodação). Quando o alimento é transformado fazendo parte do organismo ocorre a assimilação. Dessa forma, quando uma criança acostumada a andar de velocípede se propõe a andar de bicicleta, prevalecerá a acomodação, mas se ela já sabe andar de bicicleta e desejar andar em uma bicicleta diferente da sua, bastará a assimilação. À tendência de sistematizar e ordenar esses processos em sistemas coexistentes Piaget dá o nome de Organização. A adaptação se refere a um equilíbrio entre acomodação e assimilação.
O esquema é um padrão que comportamento que orienta a relação entre o indivíduo e o meio e são constantemente modificados e reorganizados. Os esquemas que se apresentam inicialmente no ser humano são os chamados reflexos, isto é, são aqueles instintivos, como a sucção. Ao conjunto de esquemas denominamos Estrutura.

Epistemologia

Piaget segmenta a aprendizagem em algumas etapas que embora não sejam precisas de um aspecto etário, a sua seqüência é invariável. São esses estágios o Sensório-Motor, Pré-Operatório, Operatório Concreto e Operatório Formal.

1. Sensório-Motor – de 0 a 2 anos
Esse estágio é assim denominado porque as experiências da criança são limitadas às percepções sensoriais. Até o primeiro mês a criança é restrita aos reflexos e hábitos inatos, como o choro, respiração e sucção. Do primeiro ao quarto mês o toque físico permite as primeiras manifestações e o reconhecimento do ambiente. Seria o período de Reação Circular Primária, pois a criança tende a repetir os comportamentos que lhe são agradáveis, como levar a mão à boca, e tem suas primeiras noções de espaço, tempo, causalidade e permanência. O bebê ainda não conserva o objeto, ou seja, quando sai de seu campo perceptivo é como se não mais existisse.
As reações circulares secundárias se diferem das primárias porque o bebê já abrange as suas experiências a objetos fora do corpo, como manipular objetos, ocorrendo do quarto ao oitavo mês. Do oitavo mês ao primeiro ano de vida a criança já aplica as formas conhecidas para resolver situações novas. São as Coordenações de esquemas secundários, onde a originalidade da criança consiste em combinar os esquemas antigos para obter os resultados, mas não inventa novos esquemas. Na fase de Reações circulares terciárias (um ano a um ano e 7 meses) a criança joga, por exemplo, objetos no chão, provocando reações diferentes, simplesmente para satisfazer sua curiosidade, experimentando novos comportamentos. O período compreendido do décimo oitavo mês até o segundo ano marca o Início do simbolismo. É a transição para o pré-operatório e começa a usar de símbolos mentais e palavras para referir aos objetos ausentes. Início da linguagem.

2. Pré-Operacional – 2 a 6 anos
A capacidade simbólica se desenvolve. Podemos descrever esse período em termos negativos, no sentido de mostrar as tarefas que a criança ainda não resolve. Definido pela incapacidade de pensar em termos de operações. Caracterizam esse intervalo o egocentrismo (incapacidade de se colocar sob o ponto de vista de outrem), a centralização (leva em conta apenas uma dimensão), não é capaz de juntar condições sucessivas, de uma transformação, por exemplo, numa totalidade, o desequilíbrio (predomínio das acomodações sobre as assimilações), a irreversibilidade (incapacidade de reverter processos), o raciocínio transdutivo (pensa somente do particular para o particular), o realismo (tendência de achar que todas as coisas são reais), animismo (atribui vida a objetos inanimados) e antropomorfismo (atribui características humanas aos animais, plantas, etc). Para esclarecer, se dentre alguns brinquedos se pergunta à criança qual está mais próximo dela, ela provavelmente acertará, mas se perguntado qual o mais próximo de outra pessoa, indicará o mesmo, pois não consegue analisar o ponto de vista do outro (egocentrismo). Se de dois copos com a mesma quantidade de líquido, o conteúdo de um deles fosse despejado em outro recipiente adquirindo outra forma, ela acreditará que a quantidade também se alterou, pois não consegue levar em conta que as formas se compensam (centralização) e nem atentará para o fato de que retornando o conteúdo ao copo anterior se chega à conclusão definitiva de que a quantidade permaneceu inalterada (irreversibilidade).

3. Operações concretas – de 7 a 11 anos
Marcado por um aumento nas assimilações, que conduz ao equilíbrio. Nesse momento a criança já consegue pensar em composição (o produto da combinação de dois elementos também será um elemento do mesmo grupo), associatividade (entende associações como ABC com ACB), Identidade (capacidade de compreender a transformação numa totalidade, mantendo a identidade de um elemento, água em gelo, por exemplo) e reversibilidade. Também já é capaz de classificar elementos indutivamente, podendo agrupá-los e ordená-los em séries.

4. Operações formais – a partir dos 12 anos
Evidencia a habilidade de pensar em termos formais (abstratos), formular hipóteses e testá-las sistematicamente. Desenvolvem-se as operações formais e proposicionais como o raciocínio sustentado no conhecimento físico e em hipóteses lógicas. Incorporam-se idéias abstratas e ideológicas.

Embora a teoria de Piaget seja de notável repercussão, ela recebe críticas de estudiosos do ponto de vista metodológico, por causa da ausência de definições operacionais para seus conceitos, como estruturas, assimilação, esquemas, acomodação, equilíbrio e outros. Também é criticado pelo uso do método clínico, pois tira suas conclusões dos casos sem divulgar uma análise estatística de dados, ou seja, pela falta de rigor. Daí o fato de não ter nos Estados Unidos a mesma receptividade que teve na Europa. Ainda assim, é reconhecido pelo grande valor de suas idéias, no mínimo como hipóteses a serem testadas com maiores critérios.

Referências Bibliográficas:
BIAGGIO, ANGELA M. BRASIL. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO. 4. ed Petrópolis: Editora Vozes, 1976.
COUTINHO, M. T. C. & MOREIRA, M. PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO: um estudo dos processos psicológicos de desenvolvimento e aprendizagem humanos, voltado para a educação: ênfase na abordagem construtivista. Belo Horizonte: Lê, 1992 (pp. 81-138).

sábado, outubro 08, 2005


Inversão de valores*

Existem vários fatores que estão por trás dos mais diversos tipos de problemas que enfrentamos no Brasil. Dentre eles poderíamos citar o ufanismo capitalista e a falta de compromisso social da educação.

Todos os dias as nossas casas são bombardeadas por propagandas extremamente abusivas e mentirosas. Colocam em nossas cabeças que a felicidade é andar na moda, usar uma roupa e possuir um tênis que 120 milhões de brasileiros não podem comprar. Ensinam que você pode ser uma pessoa sociável, bacana e descolada, saindo com seus amigos para curtir tomando uma cerveja, a que "desce redondo". Ensinam que a sua virilidade é mensurada pelo número de garotas que você consegue levar
para a cama, e que a sua liberdade é o poder que você tem de decidir se deve ou não usar drogas.

E assim, as instituições assumem uma postura totalmente passiva e procuram se adequar cada dia mais a essa tendência. Até mesmo a escola, que poderia mudar isso, passou a ser totalmente voltada para o mercado de trabalho. O seu conteúdo é amplamente direcionado para o vestibular, e assim não há um ensino comprometido com os interesses sociais. As crianças crescem em um ambiente preconceituoso e exclusivo e isso explica porque jovens de classe média ateiam fogo em um índio sem um mínimo de remorso. Não aprendem a olhar para os outros como pessoas que possuem a mesma estrutura orgânica e psicológica, mas como se fossem inferiores ou, no mínimo, diferentes.

Nós precisamos começar a perceber o perigo desses discursos e rever os nossos valores, questionando-nos, por exemplo, se é justo 9 milhões de brasileiros gastarem mais com lazer do que 52 milhões gastam com alimento. Imaginar quando os fabricantes de bebidas vão mostrar em suas propagandas o efeito do álcool no organismo e na família da pessoa. Se essa promiscuidade não está ligada às estatísticas de estupro ou gravidez indesejada, sendo que algumas resultam em aborto. É necessário desejar uma educação mais ética e humanitária, e quem sabe um dia, todos os seres humanos sejam vistos não como diferentes, mas pessoas que ainda que nasçam pobres, partilham dos mesmos sonhos, e têm as mesmas necessidades básicas, nutritivas e afetivas, e finalmente fazer valer o direito constitucional à igualdade.

Esse texto é resultado de uma conversa que tive com a minha amiga Ana Verônica, estudante de direito.