quarta-feira, novembro 02, 2005

René Descartes e o Cogito

Na cidade de La Haye, França, em 1596 nasce René Descartes, em um período de grandes transformações. Estamos falando da descoberta da América, das teorias de Copérnico, Giordano Bruno, Galileu e Kepler, da reforma protestante, da decadência do feudalismo e o surgimento do mercantilismo, enfim, um período de grandes transformações.

Em seu Discurso do Método, Descartes conta que desde sua infância fora instruído nas letras, sempre convencido de adquirir um conhecimento seguro, mas, diferente do que pensava, quanto mais se aprofundava, se via mais embaraçado e consciente de sua ignorância, isso apesar de ter passado pelas mais célebres escolas da Europa. Considerando que todos os homens são igualmente dotados de razão, ou seja, de bom senso, Descartes concluiu que a existência de opiniões tão diferentes sobre um mesmo assunto se dava em virtude dos métodos que utilizavam, assim, a atitude mais razoável seria dispor-se dessas opiniões e seguir por outras, que estivessem ajustadas ao nível da razão.

“E acreditei com firmeza em que, por este meio, conseguiria conduzir minha vida muito melhor do que se a construísse apenas sobre velhos alicerces e me apoiasse tão-somente sobre princípios a respeito dos quais me deixara convencer em minha juventude, sem ter nunca analisado se eram verdadeiros”

Assim, Descartes parte em busca de um método que se apresentasse desprovido dos defeitos que a filosofia, a lógica e as matemáticas exibiam, um caminho que lhe permitisse um conhecimento seguro, e esse método consistia em, primeiramente, “nunca aceitar algo como verdadeiro que não conheça claramente como tal”. Portanto só aceitaria constar em seus juízos algo que se apresentasse de forma clara e distinta. Em seguida, "repartir cada uma das dificuldades que se analisa em tantas parcelas quantas forem possíveis e necessárias a fim de solucioná-las". O terceiro passo é o de "conduzir por ordem os pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para elevar-se pouco a pouco até o conhecimento dos mais compostos. E, finalizando, "efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais se tenha a certeza de nada omitir".

Mas, assim como não se destrói um edifício sem ter onde se abrigar, Descartes julga prudente se firmar em uma "moral provisória", ou seja, alguns preceitos que o conduzissem enquanto aplicava seu método. Em primeiro lugar, decidiu obedecer às leis e aos costumes de seu país, mantendo sua religião e seguindo as opiniões mais moderadas, mantendo-se longe dos extremos. Isso é interessante porque isso lhe dá a segurança de errar menos, ou seja, não exagerando, em caso de estar errado, o erro é menor. Uma segunda máxima consistia em ser o mais firme e decidido possível em suas ações, ainda que fossem tomadas na dúvida, pois isso o libertaria dos remorsos e arrependimentos. É uma decisão sábia também quando se toma o exemplo que ele deu:

"Imitava nisso os viajantes, que estando perdidos numa floresta, não devem ficar dando voltas (...) mas caminhar sempre o mais reto possível (...) pois, por esse método, se não vão exatamente aonde desejam, ao menos chegam a algum lugar onde provavelmente estarão melhor do que no meio de uma floresta."

A terceira máxima era vencer antes a si próprio do que ao destino, fazendo, como se dizia, da necessidade virtude. Conformar-se com a natureza e aceitar as causas externas como se fossem impossíveis de serem vencidas, uma concepção determinista como a dos estóicos. Embora seja uma visão difícil de ser alcançada, pode trazer um conforto maior, evitando frustrações. Por fim, Descartes opta, após uma reflexão, continuar a se dedicar ao cultivo da razão. Seguindo esses princípios, sentiu-se pronto para se desfazer do restante das opiniões que permeavam sua mente.

A próxima missão de Descartes agora é sair do quarto em que se encontrava e recomeçar suas viagens, conhecer culturas e, acima de tudo, duvidar. Mas não duvidar só por duvidar, como os céticos faziam, mas para encontrar fundamentos para seu conhecimento. Ele chegou a pensar que não conseguiria cumprir seu propósito, pois muitos já haviam tentado algo parecido e não conseguiram, mas alguns já sabiam de sua meta, e, agora, prosseguir se tornara uma forma de se fazer jus à reputação que lhe davam.

"Decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais corretas do que as ilusões de meus sonhos". Assim Descartes começa o seu desafio.

"Pois de onde sabemos que os pensamentos que nos surgem em sonhos são menos verdadeiros do que os outros, se muitos, com freqüência, não são menos vivos e nítidos?"

Como podemos ter certeza de que as coisas existem, se, quando estamos sonhando, as coisas nos parecem igualmente reais? Poderia a nossa realidade ser um grande sonho. Mas para que alguns objetos se apresentem nos sonhos devem existir na realidade, para que a mente pudesse usar como uma matriz, como também pode ser que exista um gênio maligno que esteja nos iludindo. É possível? Não podemos ignorar. E se, inclusive as matemáticas, que são tão exatas e tão precisas, não passasse de enganação? Uma coisa é certa: estou duvidando disso, e não posso duvidar que duvido. Ora, se duvido, penso, e se penso, logo existo (cogito, ergo sum!). Descartes conclui que, ainda que tudo seja uma enganação, para ser iludido precisa existir. A certeza da existência é clara e distinta, pelo menos enquanto pensa: "Compreendi, então, que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar", aqui vale destacar o conceito de res cogitans (coisa que pensa). Saber que as idéias existem não é o suficiente para crer que existe também uma realidade, em outras palavras, ele poderia muito bem ter a idéia de um livro sem que um livro existisse. Mas poderia pensar em algo perfeito, sendo ele imperfeito?

"meu ser não era totalmente perfeito, pois via claramente que o conhecer é perfeição maior do que o duvidar, decidi procurar de onde aprendera a pensar em algo mais perfeito do que eu era; e descobri, com evidência, que devia ser de alguma natureza que fosse realmente mais perfeita"

Ele poderia pensar em coisas fora dele por causa da perfeição que havia nele, mas não poderia ter idéia de um ser mais perfeito do que ele, pois o efeito de uma coisa não poderia ser mais do que sua causa. Ora, é claro que se a idéia de perfeição nascesse dele mesmo, ele se conceberia como um ser perfeito. Assim, o único ser que poderia causar a idéia de perfeito é um ser perfeito, e um ser perfeito é Deus. Descartes chega agora a uma segunda certeza, a da existência de um Deus (res infinita), que deixou nele a idéia de perfeição inata, assim como o produtor coloca sua inscrição no produto, Deus deixa inata no homem a idéia da perfeição. Vale lembrar aqui que o caminho que Santo Anselmo toma para provar a existência de Deus é justamente a impossibilidade de pensar algo maior que Deus.

"O argumento cosmológico, por sua vez, terá como conseqüência a possibilidade de afirmar que Deus é o criador do mundo externo, servindo portanto de garantia à existência do mundo e à possibilidade de o homem conhecer o mundo" (Iniciação à história da filosofia, p. 171)

Descartes também não podia negar as propriedades dos objetos, como extensão (quantitativa) ou cor, odor, sabor e outras (qualitativas).

"Isso significa que o conhecimento certo e seguro do mundo externo será possível apenas no que diz respeito a essas propriedades quantitativas, geométricas, matemáticas, as únicas que podem ser conhecidas pela razão. Em outras palavras, o universo propriamente sensível, por sua incerteza, isto é, por não garantir à consciência a certeza das idéias claras e distintas, não poderá ser objeto de conhecimento." (Vivendo a filosofia, p. 237)

René Descartes se tornou um filósofo reconhecido internacionalmente. Dentre seus simpatizantes podemos citar a rainha Cristina da Suécia, com quem trocava correspondências. Coroada aos 18 anos, a rainha estava decidida a corrigir a imagem negativa que a Europa tinha de seu país, e para isso convidou diversos músicos e outros artistas na intenção de tornar sua corte o centro da arte e do ensino no norte europeu, e dentre esses, o famoso filósofo. Aos 53 anos Descartes, após insistência da rainha, chega a Estocolmo. Passados quatro meses, morre de Pneumonia, mas vale citar um fato curioso: uma carta escrita pelo médico da corte, Johann van Wullen, a um colega holandês descreve um quadro que sugere envenenamento por arsênico, muito comum na época. Constatada a veracidade da carta, Descartes poderia ter sido assassinado. Quanto aos motivos, poderia ser inveja ou então uma provável influência que o filósofo poderia estar exercendo sobre a rainha protestante, que começara a simpatizar com o catolicismo. (Grandes Mistérios do Passado, p. 121)

Referências bibliográficas:
DESCARTES. São Paulo: Nova Cultural, 2004. (Os pensadores)
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 8 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Atual, 2002.
Os Grandes Mistérios do Passado. Reader's Digest: Rio de Janeiro, 1996


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