domingo, dezembro 03, 2006

A ética nos gregos clássicos.

A palavra “ética” tem origem do termo ethos, que resulta de dois vocábulos gregos de significados distintos. O primeiro designa “a morada do homem”, e o segundo está relacionado ao comportamento que resulta do hábito. Poderíamos defini-la de forma mais simples como “costumes”. Heráclito entendia o ethos como regido pelo logos. De fato, os conceitos de ethos e logos estão amarrados, pois as ações humanas são caracterizadas pela razão, em contraposição ao impulso do desejo. Assim, o agir humano é um agir ético.

A cosmologia de Demócrito, por exemplo, era sustentada num materialismo e determinismo mecânico, contudo, a felicidade humana estava na “harmonia da razão e na paz da alma”. Aqui começa a ficar clara a diferença entre a physis e o logos. “O domínio da physis ou o reino da necessidade é rompido pela abertura do espaço humano do ethos no qual irão inscrever-se os costumes, os hábitos, as normas e os interditos, os valores e as ações” [1].

A reflexão grega no campo da ética “surgiu como uma pesquisa sobre a natureza no bem moral, na busca de um princípio absoluto da conduta”[2]. Para Sócrates, ela se identifica com o conhecimento. Ele não admite que um homem, conhecendo o bem, faça o mal, mas este é praticado por ignorância. O sofista Protágoras, por sua vez, entendia que a moral é convencional, como podemos observar na sua máxima “o homem é a medida de todas as coisas”.

A ética sistematizada por Platão é uma implicação de sua metafísica. Partindo da idéia de que todos os homens buscam a felicidade, o homem deve renunciar aos prazeres e às riquezas e dedicar-se à prática da virtude, pois neste mundo sensível encontramos apenas simulacros do mundo inteligível e a nossa alma é prisioneira do corpo. À semelhança de Sócrates, Platão identifica a virtude com o conhecimento, e o mal com a ignorância. “A virtude que dirige a alma racional tem o nome de sabedoria, a que dirige a alma irascível chama-se fortaleza, a que dirige a alma concupiscível, temperança, e a que controla as relações entre as três almas chama-se justiça”[3]. Os homens devem procurar, portanto, a contemplação das idéias, que ocorre com o exercício da dialética.

Como vimos, o ethos é a dimensão do agir humano, e sua relação com o logos também é notável no pensamento de Aristóteles. Segundo ele, o homem deve possuir uma função que lhe seja própria, e não pode ser apenas o viver, pois se for assim, em nada se diferencia dos vegetais, e uma vida baseada nos sentidos equipara-se à dos animais inferiores. Assim, aquilo que diferencia o homem e o torna peculiar é a faculdade da razão. É exatamente o momento em que o homem escapa do determinismo natural, rompe a barreira da physis e busca abrigo no ethos. “É, pois, no espaço do ethos que o logos torna-se compreensão e expressão do ser do homem como exigência radical de dever-ser ou do bem”[4]. Para Aristóteles, o bem próprio do homem é a vida dedicada ao estudo e à contemplação.



[1] VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia II : Ética e Cultura. 2. ed São Paulo: Loyola, 1993. (pág. 13)

[2] Valls, Álvaro L. M. O que é ética – 9ª ed. – São Paulo: Brasiliense, 1994. (pág. 24)

[3] MONDIN, Battista. Curso de filosofia. São Paulo: Paulus, 1981. (pág. 79)

[4] VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia II : Ética e Cultura. 2. ed São Paulo: Loyola, 1993. (pág. 13)

quinta-feira, outubro 12, 2006

"Foi dada a chance ao Lula"
"Demos uma chance ao Lula. Ele a desperdiçou". É o que ouvimos a todo momento da direita e dos seus defensores.
Isso me lembra as palavras de Chico Buarque à Folha OnLine:

"Fizeram o diabo para impedir que o Lula fosse presidente. Inventaram plebiscito, mudaram a duração do mandato, criaram a reeleição. Finalmente, como se fosse uma concessão, deixaram o Lula assumir. "Agora sai já daí, vagabundo!". É como se estivessem despachando um empregado a quem se permitiu esse luxo de ocupar a Casa Grande. "Agora volta pra senzala!". Eu não gostaria que fosse assim."

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u60177.shtml


Quando é que a direita vai aceitar que Lula foi eleito pelo povo? Quando vão cessar esse discurso nojento e demagogo, de que Lula teve apenas 'uma oportunidade'? Lula é o presidente que o povo legitimamente elegeu para por fim à oligarquia que operava nesse país. É o Lula dos trabalhadores, e nós, trabalhadores, daremos a ele quantas chances nós quisermos dar! Dizer que Lula 'desperdiçou sua chance' é discurso de quem pensa que o poder é originalmente dessa direita e coloca o presidente na reduzida condição de 'visitante' do Planalto. Vamos acabar com essa história de achar que esses 4 anos foram uma 'experiência' e mostrar que esses anos foram de governo, de administração. Além das questões que o Chico levantou de forma brilhante, lembro também o alvoroço criado diante da iminente eleição de Lula, em que a direita queria a todo custo dar autonomia ao Banco Central. Não vou nem dizer se isso é ou não bom para o Brasil, mas o fato é que isso não aconteceu por motivação econômica, e sim armação política.
Charge de Bessinha, retirada de www.chargeonline.com.br

sexta-feira, agosto 11, 2006

Voltemos à feliz espécie dos loucos. Passada a vida alegremente, sem medo ou pressentimento da morte, emigram directamente para os Campo Elísios e vão deleitar com as suas facécias as almas ociosas e pias. Comparai agora ao destino do louco o de um sábio à vossa escolha. Citai-me um modelo de sabedoria que tenha gasto a sua infância e a juventude no estudo das ciências e que tenha perdido o mais belo tempo da sua vida em vigílias, cuidados e trabalhos sem fim e que se tenha privado, para o resto da sua vida, de todos os prazeres. Vereis que foi sempre pobre, miserável, triste, tétrico, severo e duro para consigo mesmo, insuportável e desagradável para com os outros, pálido, magro, servil, envelhecido antes do tempo, calvo antes da velhice, votado a uma morte prematura. Que importa, aliás, que morra, se nunca chegou a viver! Tal é o belo retrato deste sábio.


Erasmo de Roterdão, in "Elogio da Loucura" (fala a Loucura)

A Desgraça do Sonhador
E vocês sabem o que é um sonhador, cavalheiros? É um pecado personificado, uma tragédia misteriosa, escura e selvagem, com todos os seus horrores frenéticos, catástrofes, devaneios e fins infelizes... um sonhador é sempre um tipo difícil de pessoa porque ele é enormemente imprevisível: umas vezes muito alegre, às vezes muito triste, às vezes rude, noutras muito compreensivo e enternecedor, num momento um egoísta e noutro capaz dos mais honoráveis sentimentos... não é uma vida assim uma tragédia? Não é isto um pecado, um horror? Não é uma caricatura? E não somos todos mais ou menos sonhadores?

Fiodor Dostoievski, in 'Escritos Ocasionais'

domingo, junho 18, 2006

Amor é fogo que arde sem se ver
Luis Vaz de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?